por Rosinha Martins e César Soeiro *
Por ocasião do 14º Intereclesial das CEBs, realizado em Londrina (PR), o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Sérgio da Rocha, falou, em entrevista exclusiva à Imprensa do evento, sobre temas eclesiológicos, sociais, políticos e ecológicos, diante dos quais a Igreja, fundamentada na Palavra de Deus e no Magistério, precisa reagir profeticamente.
No Encontro realizado de 23 a 27 de janeiro, o cardeal lembrou que as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), não é um movimento nem uma pastoral, mas é um modo de ser Igreja desejado e gerado no Concílio Vaticano II. Dom Sérgio destacou, ainda, a importância da acolhida e da integração dos imigrantes de maneira eficiente e eficaz. “Se não há iniciativas concretas de integração, de garantia de seus direitos, torna-se apenas algo emocional, que tem seu lado bonito, mas não é o que a Igreja de fato tem que fazer.”
Em relação à confirmação da condenação do ex-presidente Lula, em segunda instância, afirmou que “a CNBB não tem se pronunciado sobre pessoas ou partidos ao longo da sua história, porém, isso não significa que ela não acompanha atentamente, não se manifesta sobre a situações de injustiça, de violência, de perda de direitos, e nesse momento estamos para realizar em breve o Conselho Permanente da CNBB que é a estância que normalmente se pronuncia a respeito de situações do país”. Leia a íntegra da entrevista.
Dom Sergio, qual a origem e os fundamentos eclesiais das CEBs?
As comunidades Eclesiais de Base são Igreja, um modo de ser Igreja, uma maneira da Igreja se organizar. Ela expressa a própria vida da Igreja e suas características fundamentais: a fé vivida e celebrada em comunidade, a participação e a comunhão. A CEBs vai muito além de um movimento, de uma outra expressão pastoral da Igreja e tem atualidade. Elas não são coisas do passado, mas estão vivas, presentes, dando a sua contribuição para que toda a Igreja possa vivenciar cada vez mais a dimensão comunitária e social da fé, sobretudo a caminhada conjunta, a celebração conjunta, a solidariedade nas diferentes situações que o nosso povo vive, especialmente os mais pobres. Elas caminham como Igreja, unidas ao conjunto da Igreja. Por isso os bispos estão aqui e o Papa Francisco enviou sua mensagem para este encontro, expressando o reconhecimento desse caráter eclesial das CEBs como comunidade. A Igreja quer ser uma grande Comunidade de Comunidades e as CEBs têm um papel fundamental para expressar esse que é um objetivo e uma urgência de toda a Igreja.
Quais são os maiores desafios que a Igreja no Brasil enfrenta no mundo urbano?
Temos uma necessidade imensa de uma presença maior da Igreja nos diversos ambientes e setores da sociedade. O grande risco é de uma comunidade viver voltada para si mesma, ancorada em si mesma, quando na verdade, por sua natureza, a Igreja é aberta à missão e a todo o conjunto da sociedade. A Igreja quer ser uma casa de portas abertas. Não dá para viver a fé só no interior do templo ou só restrito à oração. A fé precisa ser alimentada na celebração, na Igreja enquanto templo com a comunidade ali presente, mas ela deve transbordar-se, fazendo-se luz, sal e fermento para a sociedade. Neste sentido, temos percebido uma presença maior de leigos e leigas. Graças a Deus, cresceu, desde o Concílio Vaticano II, a presença e a contribuição dos leigos no interior da Igreja, o que a torna, cada vez mais ministerial, e isso é fundamental.
Creio que hoje no mundo urbano a própria comunidade de base não oferece, mas já é resposta com sua presença, por ser um espaço de vivência comunitária e fraterna. Mas é claro que nós precisamos dos leigos e leigas nos diversos ambientes, principalmente na vida política, cultural, econômica e no mundo do trabalho. Essa presença é hoje um desafio, e o importante é que ela não seja uma presença apenas individual e espontânea, mas organizada. Por isso é fundamental a comunidade, para permitir uma presença mais coordenada, mais comunitária nos próprios ambientes, isto é, as ações pastorais não devem ser iniciativas pessoais, mas iniciativas da comunidade com um caráter de comunhão para ser mais eficaz na sociedade.
Foi gritante o clamor dos indígenas neste encontro. Eles reconhecem que a força das suas lutas vem da Igreja, porém acreditam que ela pode ser mais afetiva e efetiva na defesa de seus direitos. Qual a visão do senhor sobre a situação dos povos indígenas?
Graças a Deus, a Igreja no Brasil, representada pela Conferência Episcopal, tem procurado acompanhar, dar atenção, ser solidária e próxima dos povos indígenas. Temos feito pronunciamentos, como também ações que mostram essa solidariedade. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), como organismo da própria CNBB, tem um trabalho imenso, um valor extraordinário, mas nós queremos que o conjunto da Igreja possa olhar mais, assumir de maneira mais solidária as causas dos povos indígenas, sobretudo a defesa dos seus direitos, da sua vida, da sua cultura e do seu território.
A CNBB e o CIMI têm oferecido sua contribuição, mas concordo que o caminho a percorrer é imenso, porque temos muito mais a fazer, temos uma dívida muito grande com os povos indígenas, e, por mais que se tenha feito, ainda é pouco, mas é claro que nós nos preocupamos muito com a própria ação do poder público porque a Igreja procura fazer a sua parte, mas, sozinha, não tem como assegurar o direito e a dignidade dos povos indígenas. Precisamos dos governantes, dos que atuam nos três poderes da República, para que assegurem todas essas demandas. Daí, então, é que nós temos necessidade de atuar mais, embora tenha havido diálogo, mas precisamos cada vez mais crescer, não só por meio de ações espontâneas e pessoais, mas algo mais sistematizado e eficaz.
De que maneira a Igreja tem olhado para as pessoas em situação de migração e de refúgio, que têm recorrido ao Brasil em busca de socorro?
O papa Francisco tem ressaltado muito bem qual a atitude que a Igreja deve ter em relação aos imigrantes e refugiados. Ela deve ser uma casa de portas abertas, uma comunidade acolhedora, uma família que acolhe e valoriza a vida, que defende a dignidade e os direitos de quem está em situação de migração ou de refúgio. Nós precisamos tornar isso uma ação mais efetiva e organizada. Diversas iniciativas, graças a Deus, vêm sendo tomadas, mas creio que temos muito mais para fazer: o desafio de acolher melhor, de defender os direitos desses, porque a acolhida aos imigrantes não pode ficar apenas na oração.
Se não há iniciativas concretas de integração, de garantia de seus direitos, torna-se apenas algo emocional, que tem seu lado bonito, mas não é o que a Igreja de fato tem que fazer. O Papa tem mostrado que é preciso acolher de maneira eficiente e satisfatória, por meio de gestos concretos de solidariedade e de acolhida. Essa atitude não é apenas para a pessoa do Papa ou do bispo, mas para todo o conjunto da Igreja local. Esperamos que no Intereclesial essa abertura, essa acolhida seja cada vez mais verdadeira.
É grande a presença de Igrejas Evangélicas neste 14º Intereclesial das CEBs. Como o senhor avalia essa relação ecumênica dentro da Igreja Católica?
É muito bonito esse sinal, essa presença significativa e grande de Irmãos e Irmãs de outras Igrejas Cristãs, e nós queremos realizar cada vez mais aquilo que é o desejo de Jesus: a unidade entre aqueles que o seguem, que vivem na fé e na acolhida do Evangelho. Nós temos aqui, no Intereclesial das CEBs, evento de caráter nacional, o prenúncio do que deveria acontecer, também, em nível local. Têm muitas iniciativas, ao contrário do que se imagina, como por exemplo a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que incide em todo o Brasil com ações pastorais, unindo irmãos e irmãs das diversas Igrejas Cristãs.
O ecumenismo, portanto, é um sinal de esperança, e ao mesmo tempo é um desafio porque o que está ocorrendo aqui, em nível nacional, infelizmente, na prática, na Igreja local, na realidade local, nem sempre acontece. Desta forma, se faz necessário um esforço comum, porque não se trata somente de um ato, pois às vezes temos o fechamento de uma parte ou de outra, e se as lideranças que estão ali não favorecem, não teremos momentos de oração e reflexão comuns e, sobretudo, de inciativas concretas de caridade, solidariedade e misericórdia, porque o ecumenismo no seu campo mais privilegiado é o serviço aos mais pobres, o serviço da justiça e da paz.
Quanto à questão do bioma amazônico tão cobiçado por forças externas, o que o senhor espera do Sínodo para a Amazônia?
Temos uma esperança muito grande que o Sínodo especial para a Amazônia venha animar, ainda mais, a vida e a missão, mas também levar o conjunto da Igreja do Brasil, dos países da América Latina e do mundo a assumirem um compromisso maior, valorizar mais a vida e a cultura dos povos e apoiar mais a Igreja local. A esperança é grande e o Papa Francisco também espera muito de nós, e nós confiamos na ação do Espírito de Deus e na presença do Papa, que sempre anima a Igreja a caminhar. Portanto, ele (o Papa) está esperando que as respostas aos desafios da Igreja da Amazônia venham da própria Igreja, dos próprios povos da Amazônia e não somente, mas de todas as diferentes culturas. Embora o Sínodo seja realizado em Roma, não se trata de um sínodo que dá resposta fora do contexto amazônico, porque lá estarão seus representantes.
Com a confirmação da condenação do ex-presidente Lula, qual a posição da Igreja nesse cenário?
A CNBB, a partir da sua história, não tem adotado posição político-partidária, e isso é bem claro, primeiramente, na Doutrina Social da Igreja, além de ser um critério orientador da própria ação episcopal. Outrossim, observem que a CNBB não tem se pronunciado sobre pessoas ou partidos ao longo da sua história, porém, isso não significa que ela não acompanha atentamente, não se manifesta sobre a situações de injustiça, de violência, de perda de direitos, e nesse momento estamos para realizar em breve o Conselho Permanente da CNBB que é a estância que normalmente se pronuncia a respeito de situações do país.
Com certeza, esse contexto que está sendo vivido hoje, será tratado na análise de conjuntura daqui a dez dias e, sem dúvida, discerniremos juntos que passos devemos dar como Igreja, pois ela tem procurado defender a justiça e a paz. As pessoas têm o direito à sua defesa em quaisquer situações, e isso é critério de justiça verdadeira, ou seja, de permitir, a quem tem algum tipo de acusação, seja efetivamente dado o direito de ampla defesa, em todos os sentidos e em todas as instâncias. Claro que temos que estar atentos para respeitar a ordem constitucional, por isso, a vigilância da própria Igreja, por meio das pastorais sociais acompanhando mais de perto a situação, tendo o cuidado para não violar a dignidade e o direito de ninguém, nem o direito e dignidade dos mais pobres e fragilizados.
* Assessoria de Comunicação do 14º Intereclesial das CEBs