O pontificado do papa Francisco está trazendo reviravoltas na Igreja e para ela. O mesmo sempre falou de uma conversão do papado, que por sinal já fora lembrado por João Paulo II. Contudo, está claro para Francisco que essa conversão não é só do papado. Ela é eclesial, é permanente e envolve a todos. Por mais que existam correntes ideológicas e eclesiológicas confusas tentando puxar a Igreja para a polarização, o princípio da continuidade é o que vigora e fortalece o dinamismo da Igreja na História. O seu princípio é Único e Universal: Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre (Hb 13,8). Por estar no tempo e no espaço, ela precisa estar semper reformanda, ou seja, sempre se reformando, adaptando-se às novidades e redescobertas da cultura e do desenvolvimento.
O ponto de referencia para refletirmos sobre a reforma eclesial, sobre a qual se fala na era Francisco está no capítulo I da carta programática “A Alegria do Evangelho”. O termo usado propriamente é: “A transformação missionária da Igreja”. Há várias declinações que o capitulo trás para que possamos fazer uma interpretação coerente da perspectiva e do intuito de Francisco. O Pontífice do fim do mundo sabe o que quer para a Igreja. Ele quer uma Igreja que assume o primado da missão. Estejamos muito atentos a este capítulo. Falando aos jesuítas, em ocasião da eleição do novo geral da Companhia, o mesmo esclareceu que a Evangelium Nutiandi e o Documento de Aparecida são as molas mestras da proposta que está contida na sua Exortação Apostólica. Na última entrevista concedida ao jornal espanhol, El País (21/01/17), ele reiterou mais uma vez que a reforma eclesial tem como fundamento o Evangelho. Mostra que, quem sempre compreendeu esta mensagem foram os santos. Francisco tem consciência de que o maior desafio que a Igreja teve e continuará a ter é a vivência do Evangelho. O que está em questão é a identidade cristã, que é vida, testemunho, conversão permanente e ação missionária.
Alguns autores, que traduzem de forma pelagiana as orientações pastorais do papa argentino e jesuíta, como também quem não está querendo recepcionar as mudanças pedidas, que são exigentes, porque têm no Evangelho a sua base, estão mais atentos ao secundário do que ao essencial das inovações. Pensam mais nas reformas estruturais e doutrinais do que na conversão pessoal. Na sua mensagem para a Cúria Romana de 2016, o bispo de Roma mais uma vez lembrou que para haver reformas estruturais, deve haver a conversão pessoal de todos os que compõem os trabalhos da Cúria. A conversão pessoal é a condição sem a qual não poderá ter reforma eclesial e pastoral. O mundanismo espiritual e ideológico obscureceu este caminho que a Igreja nunca pode deixar de fazer. Nós temos que confiar na força do Evangelho. Não existe bipolaridade ou contradição entre conversão pessoal e reforma eclesial. Uma coisa implica na outra: Conversão Pessoal↔Reforma Eclesial. Quem assume uma, sem estar atento a outra, pode cair no espiritualismo desencarnado ou numa dialética da negação do outro, que trai o sentido do Evangelho, que sempre convida a conversão e ao seguimento do Senhor. A visão da negação do outro esteve presente em algumas correntes teológicas do pós-Concílio. A proposta conciliar é dialógica. Percebe e aceita os sinais da verdade presente no outro, a sua liberdade e dignidade, sem relativizar a própria verdade contida na Divina Revelação. A dinâmica do Evangelho é a do reconhecimento e do encontro que gera comunhão, nas diferenças. Por isso que, a misericórdia surge como a forma eclesial deste pontificado, mesmo tendo sido bem chamada em causa pelos pontificados antecedentes. É a misericórdia de Deus o ponto de partida e o fundamento da doutrina, assim pensa Stella Mora (Cf. Dio non si stanca. La misericórdia come forma ecclesiale) e bem colocada no conjunto da (Cf. Misericordiae Vultus). Não há contraposição, nem negação, mas uma mudança de estilo e modo de falar e testemunhar a mesma verdade do Evangelho. É a mesma Igreja de Jesus Cristo. A mesma fé dos Apóstolos.
Por isso, estejamos bem atentos e preocupados em fazer esse caminho de sinodalidade, que, penso eu, exige de cada um essa capacidade de inteligir e discernir o que o Espírito nos pede, como Igreja, nos tempos hodiernos. Não deixemos que categorias de pensamentos e interesses externos à missão da Igreja, dificultem o que precisa ser feito para que a ação missionária e pastoral deixe de avançar. A reforma eclesial não pode nos amedrontar. O que pode nos intimidar é a nossa falta de coragem de convertermo-nos e honestidade de fazer o que precisa ser realizado para que a Igreja possa realmente ser o Sacramento Universal de Salvação, para todos. Assim o seja!
Pe. Matias Soares, do clero da arquidiocese de Natal (RN).