Por Sidinei Braz Jerônimo
Em meados de fevereiro de 2017 eu procurei meu bispo, Dom Antônio Carlos Félix, para apresentar o meu desejo de fazer uma experiência missionária em outra diocese. A ideia inicial seria me juntar aos seminaristas da arquidiocese de Mariana na missão Maranhão. Contudo, após uma reflexão, chegamos à conclusão de que se eu fosse para algum lugar mais próximo eu poderia ficar mais tempo. Desse modo resolvi fazer uma experiência no Vale do Jequitinhonha.
Após acertar os detalhes com o bispo da diocese de Araçuaí (MG), Dom Marcello Romano, fui enviado para a paróquia Nossa Senhora da Conceição, da cidade de Comercinho. Fiquei 25 dias na paróquia, do dia 29/12/2017 a 22/01/2018. Foi uma experiência bem diferente das outras experiências missionárias que já vivi. A paróquia estava sem a presença do pároco, era o bispo quem a atendia (na medida do possível) aos finais de semana. Confesso que esta foi uma grande surpresa: um bispo inteiramente no meio do povo. Ele assistiu casamento, celebrou batizado, almoçou onde quer que fosse convidado, enfrentou estradas esburacadas. Enfim, foi um grande formador no período em que convivemos.
Quanto à minha experiência, tive a oportunidade de estar junto ao povo daquela região. Visitei todos os enfermos que recebem a comunhão, ouvi suas histórias, conversei com eles, rimos bastante, quase choramos bastante também. Pude estar presente na vida daquelas pessoas.
Destas experiências, eu destaco a morte do Bryan. No primeiro dia de visitas fui comunicado da morte de uma criança que foi picada por um escorpião, me prontifiquei de ser lá a minha primeira visita oficial, quanta dor! Um menino de 3 anos de idade cheio de vida pela frente, mas a teve interrompida por negligência dos poderes públicos. Por falta de soro antiofídico no posto de saúde. Por falta de um atendimento básico, mas a dor maior foi celebrar as exéquias daquele menino. O que dizer? Contudo, no meio de toda essa dor veio uma alegria. Ao voltar à casa fui recebido com muita gratidão, pois como todos os moradores daquela cidade, a família também estava angustiada pela falta de um padre na cidade. A minha presença ali foi um sinal de esperança e de segurança para eles, “a Igreja veio à nossa casa” me disse a avó do Bryan.
Também destaco a visita à dona Lourdes. Ela é paralítica, cega e praticamente surda. Ela segurou firme minha mão e queria saber tudo da minha vida. Eu fui respondendo às perguntas de um modo que a rua toda ouvia (eu acho), mas foi lindo. Uma história de vida e superação magnífica! Pude partilhar com ela um texto do Evangelho. Quem me acompanhou disse que fazia tempo que ninguém falava do Evangelho pra ela, pois por ser cega e quase surda “os missionários dão uma benção de longe mesmo”. Foram inúmeras experiências naquele lugar. Experiências com várias pessoas ou casos isolados. Mas prefiro permanecer nestes dois casos para não me alongar e dizer o quanto valeu a pena ter ido.
Não posso terminar sem falar dos momentos comunitários. Foram diversos. Tivemos formações e momentos de oração. Como todo mineiro é desconfiado, o povo demorou um cadim para se aproximar. Foi preciso de um dos dias de oração, o momento Mariano, ser feito em um dos bairros da cidade, porque o povo não estava descendo para a Matriz. Quando aparecia dez pessoas era festa! Mas que iniciativa louvável. Fizemos um terço luminoso na praça. Além de ter enchido a praça, o terço ficou lindo. A nossa última atividade juntos foi uma adoração ao Santíssimo Sacramento. Nesse dia a igreja lotou. Meditamos o Êxodo e a possibilidade de vivermos nossa “Terra Prometida” apesar de nossos desertos.
Lições que tirei da missão: I) o povo precisa de Deus; II) o povo precisa de padres que falem de Deus; III) o povo precisa de padres que vivam Deus; IV) o povo precisa de padres que distribuam Deus; V) o povo não merece padres infiltrados na política partidária; VI) o povo não merece padre que só é padre no altar; VII) o povo não merece padre que troca a missa por churrasco com amigos; VIII) o povo não merece ser julgado pela porcentagem do dízimo; IX) o povo não merece ficar vacante; X) o povo não merece sofrer. Não estou aqui dizendo que ouvi e vi essas coisas lá, mas que meditei e rezei essas lições a cada visita, a cada história ouvida e a cada prece pedindo um novo pároco. A notícia da posse do novo pároco encheu o coração daquele povo de alegria e esperança. Só se falava nele. Como diz uma música interpretada pelo Pe. Antônio Maria “na comunidade onde mora um padre o povo vive mais feliz”.
Ao terminar de escrever este texto recebi a notícia do falecimento do Sr. Antenor. Ele era bisavô do Bryan. Faleceu aos 105 anos de idade. Passou parte de sua vida na cama ao lado de sua esposa também acamada. Tive a graça de visita-lo mais de uma vez. Que Deus o tenha.
*Seminarista da Diocese de Governador Valadares (MG)