Ao receber o convite para compartilhar estas linhas com os leitores, assumi o tema quase sem pensar, porém, demorei algumas horas para rezar e refletir com e a partir da figura de Pauline Jaricot, no intento de evitar improvisos, por amor e devoção a essa grande missionária.
É possível definir Pauline Jaricot como uma mística? Se é possível, quais são as características distintivas dessa mística?
Para prosseguirmos, delimitamos o significado de “mística” como a expressão da busca, do desejo e da manifestação de atitudes, de atividades e um estilo de vida que levam uma pessoa à comunhão com Deus.
A partir desse entendimento, vemos Pauline como um modelo claro de mística batismal, ou seja, a mística de Pauline pode ser assumida por qualquer batizado. Se sim, qual é a novidade encontrada em Pauline? Bem, eu não falaria de uma novidade, mas de acentuação ou aprofundamento. A busca por Deus, o desejo de estar em comunhão com Ele não acontece separado da complexa trama existencial da pessoa. Podemos afirmar que Pauline vive o seu batismo de forma radical, sabe ser filha de Deus, reconhece-se membro da Igreja, descobre-se discípula de Jesus e responde à dimensão missionária universal do batismo com responsabilidade paradigmática. E tudo isso acontece em um contexto temporal, espacial, eclesial concreto, que não é casual nem arbitrário. Informações, pessoas, testemunhos chegam à Pauline para sacudir sua existência e canalizar sua vocação.
Fé e Oração
A primeira acentuação da mística de Pauline é dada por sua fé, traduz-se em um estilo de vida comprometido e lúdico, que a afasta de uma crença sentimentalista e piedosa, e a coloca no caminho dos apóstolos. Pauline sabe que é chamada a viver na intimidade com Deus por meio da oração. E de onde poderia surgir a inspiração para a proposta da adoração eucarística e do rosário, senão dessa consciência? Claramente Pauline é uma mulher de oração, caso contrário ela nem poderia propor a oração como uma experiência para os outros. Pode orar quem não crê? A resposta é óbvia: NÃO. Pode haver discursos, palavras, aparências e até ritos requintados e meticulosos, mas nada disso garante a experiência da oração. Somente a fé como abertura e disposição a Deus garante a disposição para a verdadeira oração.Fé e Oração e Missão
A segunda acentuação da mística de Pauline é dada pela missão. Assim como o vínculo filial com Deus e a identidade discipular são claros em sua vida, em Pauline, mulher e leiga, a missão aparece. E aparece como preocupação e compromisso de tornar possível a evangelização do mundo inteiro. Fico impressionado com o fato de que, em Pauline, não há um entusiasmo fugaz, nem desejo de heroísmo aventureiro, não há nada disso, ao contrário. Contemplar sua figura permite descobrir uma postura, uma serenidade que é acompanhada de tenacidade, generosidade e perseverança diante das dificuldades. Podemos dizer que a missão na espiritualidade de Pauline é o que faz de sua mística uma experiência “encarnada” em seu tempo.
Fé e Oração, Missão e Igreja
Neste nosso tempo, apesar de ser doloroso reconhecê-lo, estamos em um caminho marcado pela fragmentação e pelo individualismo que atinge também a Igreja e, assim, a figura de Pauline vem a ser, para nós, um claro exemplo de eclesialidade. Ela não é uma mulher ingênua que ignora o peso e as repercussões da tarefa que assume, mas não se arroga direitos nem concede virtudes. A força motriz de seu empreendimento missionário, que a compromete até a morte, é saber que é filha e membro da Igreja; a missão que ama é a da Igreja; os missionários que procura encorajar e ajudar são a Igreja presente em tantos lugares; os grupos que promove não são associações de privilegiados ou distintos da sociedade com lógica mundana, mas são batizados e batizadas que, sem abandonar o seu lugar, expandem a missão, orando e cooperando com a Igreja.
A relação de Pauline com a Igreja não é uma formalidade institucional. A matriz vital dessa próxima beata está impregnada de eclesialidade. Sua oração, seu testemunho e sua oferta são a expressão da própria Igreja Missionária. E o mais maravilhoso disso é que ela não precisou de outro ponto de partida e chegada, além de sua fé como relação vital com Jesus Cristo e sua consciência de pertencimento à família humana em chave de Igreja.
Hoje Pauline é um grito direto à consciência de cada batizado, para que nossa fé, nossa oração, a missão e a pertença ao Santo Povo Fiel de Deus esteja articulada a partir da maturidade, da gratuidade que se distancia do poder, da aparência e da subjetividade egoísta que separa do seguimento a Cristo e do verdadeiro testemunho evangelizador que faz esgotar os dogmatismos herméticos; os moralismos abstratos; e os cultos que encerram a pretensão de “controle de Deus”, quase como um ato de magia, justificando-se da tradição e do desejo nostálgico de viver em um outro tempo que já passou.
Pauline, mulher orante e missionária que faz parte do Corpo da Igreja, mergulhando as mãos na realidade da humanidade e elevando-as ao Pai para se tornar instrumento de Evangelização. Que ela nos acompanhe no amadurecimento da nossa fé.
Pe. Leonardo Rodriguez