Não há problema algum em ficar mais velho. O tempo em si também não deve ser um problema. Entretanto, o tempo que nos gera também produz desigualdades. O tempo nem sempre espera que homens e mulheres cheguem aos 65 anos, idade mínima proposta para a aposentadoria, e, com muito mais razão, aos 70 anos, para a concessão do amparo assistencial. Essa espera, que para trabalhadores assalariados, braçais ou expostos a riscos significa um lapso de tempo muito mais longo, pode trazer inúmeros prejuízos à população pelo simples fato de termos mais pessoas em situação de risco social, mais do que já existem.
A idade mínima considerada pela proposta de reforma da previdência social parte de estudos que comprovam o aumento da longevidade do brasileiro. Ao mesmo tempo, porém, há de se considerar que a duração da vida não é acompanhada de força, vigor e disposição linear para o trabalho. Apesar da experiência adquirida através da prática ou vivência, as portas do mercado de trabalho, ou da cultura do descarte, começam a se fechar muito antes dos 60 anos de idade, principalmente para aqueles com baixa escolaridade.
A idade mínima rompe com o princípio de igualdade entre contribuintes/beneficiários, uma vez que impede que muitos participem dos benefícios da previdência social, afetando duramente aqueles que começaram a trabalhar muito cedo e no pesado. Os riscos e desgastes a que estão submetidos, por exemplo, os trabalhadores rurais, tomam formas diferentes daqueles trabalhadores da construção civil, que, por vezes, são diversos daqueles empregados (diretores) que exercem sua função em um escritório, e assim por diante. O mesmo se pode dizer sobre as oportunidades e condições desses trabalhadores de, sem estabilidade, permanecerem trabalhando até os 65 anos de idade.
A aposentadoria é a prestação previdenciária que se dá ao trabalhador depois de um certo tempo de serviço, em razão da presunção de desgaste físico e psicológico, e não por velhice ou incapacidade. A proposta de reforma da previdência, assim como vem sendo apresentada, não considera essa realidade! Certamente industriários, pedreiros, agricultores, para citar apenas esses, acabarão sofrendo, desproporcionalmente, os efeitos do tempo.
O que dizer da idade mínima proposta para a concessão do amparo assistencial, benefício que tem como finalidade proteger pessoas portadoras de deficiência ou idosos (não seguradas da Previdência Social) que não possuem renda para a própria subsistência ou família que os sustente? Exigir que o idoso, com renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo, sobreviva até os 70 anos de idade não reflete a realidade da vida humana. Ninguém, enquanto Poder Público e sociedade, fará algo para evitar ou amenizar a privação suportada por um idoso submetido à pobreza? Isso tem um valor simbólico muito forte, uma vez que tal situação coloca em xeque a relação do ser humano com os demais, pois o risco social ao qual está submetido um ser humano no outono da vida não expressa somente preocupação com um idoso, mas com a espécie humana.
Segundo o Estatuto do Idoso, “é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade”. A sociedade que verdadeiramente promove e cuida daqueles que arduamente se dedicaram para ganhar dignamente o pão de cada dia de forma honesta e justa é uma sociedade que trata o próprio futuro com respeito.
* Dom Jaime Spengler, OFM, é arcebispo metropolitano de Porto Alegre (RS) e presidente da Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB.