Artigo | Além da missão ad vitam

Encontramo-nos de 10 a 14 de fevereiro de 2025 em Belém do Pará, na Casa Regional da Região Brasil Norte, para o 13º Encontro do Centro de Estudos Missionários Latino-Americano (CEMLA). Estávamos presentes Rafael López Villaseñor, Estêvão Raschietti e Memore Restori do Brasil Sul; Raymundo Camacho Covarrubias do Brasil Norte; Tea Frigerio, Beth Espinhara e Josefina Abigail Martínez das Missionárias de Maria-Xaverianas; Yeremias Parung Yanuarius da Colômbia; Gerardo Custodio López e José Martín Mejía Mariscal do México.

O nosso foi um momento de reflexão, de estudo, de convivência, que incluiu também a apreciação do contexto social, cultural e eclesial de uma cidade que se prepara a sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Tudo isso foi proporcionado pela agradável acolhida dos irmãos da Região do Norte e das irmãs xaverianas: a eles e a elas vai o nosso mais fraterno e afetuoso agradecimento.

Nestes últimos anos nos debruçamos a debater sobre a missão ad gentes e ad extra, até que chegou a vez de refletirmos sobre o significado e a relevância do terceiro elemento essencial do nosso carisma, que expressa sua radicalidade: a missão ad vitam.

“Ad vitam revela que a nossa disponibilidade ao serviço da causa missionária é definitiva por vocação e isto não só no tempo, mas sobretudo na dedicação total à vocação missionária que nos foi confiada. Em qualquer lugar ou serviço em que nos encontremos, convergimos toda a nossa atividade para a missão e nos entregamos a ela ao longo de nossas vidas, oferecendo sempre o melhor de nós mesmos e “excluindo positivamente qualquer outro propósito, por mais nobre e santo que seja” (Ratio Missionis, 13). A discussão sobre esse tema nos levou a esboçar algumas considerações.

Ad vitam e radicalidade
Em primeiro lugar, esse ad vitam é algo que diz respeito à vocação cristã enquanto tal. Não deveria figurar como algo especial e exclusivo dos religiosos e das religiosas. O Papa Francisco nos lembra que “seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas ações” (EG 120), mesmo em relação à missão ad gentes e ad extra. Os discípulos e as discípulas missionários são ad vitam por sua própria natureza, na fidelidade ao seguimento e à missão de Jesus que é sempre algo de muito exigente: por que enfatizar essa radicalidade somente em função de um modelo de compromisso missionário?

Em segundo lugar, viemos de uma tradição missionária heroica, onde os missionários e as missionárias partiam para nunca mais voltar, enviados em situações que exigiam uma entrega total da própria vida, até o martírio ou a morte prematura. Hoje vivemos as dimensões dessa kenose de maneira certamente mais humanizada, oferecendo igualmente tudo o que somos e o que temos para a causa missionária, mas ao mesmo tempo preservando-nos de sacrifícios que podem ser convertidos em participações alternativas e complementares a um engajamento missionário direto.
Contudo, os testemunhos do passado continuam questionando certa acomodação e fragilidade pós-moderna, assim como uma liquidez que dilui o compromisso profético em tudo, em todos e em cada coisa. As fronteiras e os confins da terra e do humano parecem ter perdido relevância e encanto, pois os pobres e os outros estão no meio de nós, continuando, porém, mais distantes do que nunca.

Certamente, a missão ad vitam não deve ser interpretada literalmente como uma adesão no tempo à missão ad gentes, e sim sobretudo como uma adesão na alma e no espírito a um projeto missionário de um instituto. Por esse motivo, não pode ser demasiadamente distinta de outras modalidades de missão, como uma missão ad tempus ou até mesmo de uma missão itinerante, pois os missionários envolvidos nesses projetos também fazem, na maioria das vezes, uma opção de vida e uma adesão em espírito a uma missão ad gentes.

Ad vitam e finalidade
Um terceiro motivo de reflexão é ligado ao ad vitam como quarto voto de missão. Tradicionalmente esse voto expressa a fidelidade da pessoa consagrada à finalidade específica de um instituto. Todavia, quando essa finalidade não fica mais tão clara e cativante como nos tempos da fundação, simplesmente porque a realidade do mundo mudou, assim como a autoconsciência eclesial e a própria maturidade de fé do povo de Deus, o voto ad vitam se limita a um voto de permanência na congregação, que a seu tempo tornou-se fim a si mesma, cuidando apenas de sua sobrevivência. Ad gentes, ad extra e ad vitam são dimensões interligadas. Todo projeto missionário tem começo, meio e fim: depois necessita de uma reconfiguração. Se isso não acontecer, a congregação ou decide de encerrar seu expediente, ou promove um processo profundo de renovação e de redefinição de seus objetivos, ou acaba sobrevivendo de maneira medíocre e efêmera dentro de seu nicho autorreferencial.

Compartilhamos plenamente as palavras de Pe. Sérgio Targa, ex-procurador geral dos xaverianos, em sua carta de despedida:

“A diminuição das ofertas e de doações vem acompanhada nestes anos por uma diminuição de tensões, a respeito da ideia e da realidade da missão. Quem fala de missão hoje? Está claro qual é a nossa missão hoje? Existe um debate a respeito? Existem ideias novas sobre sua atuação concreta nos diversos contextos nos quais vivemos? Conhecemos esses nossos contextos? O máximo que produzimos foi transformar os meios em fins (…) Em suma, me parece que a autorreferencialidade, o olhar para o umbigo, para a nossa comunidade etc. foram as nossas respostas às crescentes dificuldades que a missão hoje encontra.”

Com efeito, precisamos colocar a missão antes de qualquer outro serviço de animação ou de formação que assumimos, pois precisamos ter algum projeto diferenciado e ordenado à missão ad gentes a propor aos candidatos que manifestam o desejo de fazer parte de nossa família xaveriana.

Ad vitam e gratuidade
Um quarto elemento que nos levou a questionar a perspectiva ad vitam é a própria entrega entendida sob a ótica da gratuidade. Perguntamo-nos por que o nosso trabalho missionário tem que ser um trabalho “de graça”, a ponto de colocar em risco a nossa subsistência pessoal, comunitária e institucional? Seria esse trabalho gratuito a face paternalista de uma missão colonial que herdamos e que continuamos a alimentar?

É certo que nossas igrejas locais e nossos contextos empobrecidos não podem inicialmente assumir os custos de uma obra de evangelização e de seus agentes, mas temos que direcionar a nossa cooperação rumo a uma efetiva participação de nossos interlocutores, recorrendo a contratos e a fundos de manutenção, assim como a projetos financiados por agências ou pelas próprias igrejas.

O fato é que não podemos continuar dependendo de benfeitores para as nossas necessidades primárias, confiando-nos a uma compreensão fideísta e irresponsável da Providência. Às vezes, ouve-se alguém dizendo que dinheiro não é problema: certamente, pois o problema é a falta de dinheiro! Também não se trata aqui de abdicar ao voto de pobreza, pois não queremos nos enriquecer, mas garantir uma dignidade como seres humanos, repartindo o que ganhamos com o nosso trabalho, prestando conta fielmente da nossa administração.

Ad vitam e teologia
Um quinto aspecto que consideramos em nosso debate sobre o ad vitam diz respeito à sua dimensão teológica, pois o quarto voto, o voto de missão que abraçamos ad vitam, deveria informar também sobre a adesão a uma peculiar compreensão da vida, da missão e da pessoa de Jesus, e não apenas sobre a finalidade apostólica do instituto e de sua espiritualidade. Sem dúvida temos alguns elementos que nos vem da fundação e da tradição, mas não temos ainda uma reflexão consistente, continuada e compartilhada a respeito. Qual é a cristologia dos xaverianos? Qual modelo eclesiológico acompanha a ação evangelizadora de seus membros? “Fazer do mundo uma só família” é somente um bordão generoso (e desgastado), ou expressa uma dimensão escatológica concreta e vivencial? Há uma convergência ou uma dispersão sobre esses aspectos?

Acreditamos que esses não são elementos teóricos ou de uma espiritualidade particular: ao contrário, são todas dimensões que se manifestam na vida cotidiana, nas relações, na ação evangelizadora, no trabalho, nas opções de vida e nos centros de interesse.

Ir. Dorothy: 20 anos
Finalmente, tivemos nestes dias a oportunidade de celebrar o 20º aniversário do ad vitam da Ir. Dorothy Mae Stang, missionária americana da Congregação de Notre Dame de Namur, assassinada aqui em Anapu, no Pará, em 12 de fevereiro de 2005. Membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde a sua fundação, Dorothy acompanhava com determinação e solidariedade a vida e a luta dos trabalhadores do campo. Defensora da reforma agrária, ela mantinha intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas, políticas e religiosas, na busca de soluções duradouras para os conflitos relacionados à posse e à exploração da terra na Região Amazônica.

Dorothy Stang foi executada com seis tiros no lote 55 do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança. O assassinato foi encomendado por dois fazendeiros, depois dela receber diversas ameaças durante sua trajetória. A morte dessa missionária americana junta-se a outras dezenas que ocorrem todos os anos por causa de conflitos no campo. Pouco antes de ser assassinada declarou: “Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar”.

Na quarta feira, dia 12 de fevereiro, participamos de um ato inter-religioso na Praça do Can, junto à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, para fazer memória do martírio da Ir. Dorothy. Essa celebração reuniu todos os motivos do debate desses dias sobre o ad vitam, e talvez algo a mais: o Reino de Deus necessita de vidas doadas, o Reino de Deus é a própria vida doada. Irmã Dorothy, presente!

Fazemos votos que esse nosso caderno, que intitulamos “Além do ad vitam”, possam estimular algumas inquietações e algumas novas proposições a respeito. O CEMLA marcou sua próxima semana de trabalho para 23 a 27 de fevereiro de 2026, em São Paulo, para refletir e debater sobre o tema: “a missão à luz da encarnação”.
Belém, 14 de fevereiro de 2025

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