Por Pe. Stefano Raschietti*
Os confins da terra representam até hoje, para a Igreja, caminhos de abertura, aprendizagem e aproximação. Confira o artigo do quarto dia de Conferência do 5º Congresso Missionário Nacional, realizado em Manaus, 10 a 15 de novembro de 2023.
Essa expressão “até os confins da terra” raramente a encontramos no Novo Testamento, praticamente só nos Atos dos Apóstolos, mas pode ser entendida como uma chave de leitura de toda epopeia apostólica, quase como um título de novela, cujo subtítulo seria: “Quem quiser salvar a sua identidade cultural, vai perdê-la; mas, quem perder a sua identidade cultural por causa de mim, vai encontrá-la”. Vamos nos explicar.
Uma chave de leitura do NT
O mandato missionário do Evangelho de Lucas (Lc 24,45-49) é quase similar aos primeiros versículos dos Atos dos Apóstolos, que é o segundo livro do mesmo autor (At 1,7-8). O envio dos discípulos por parte de Jesus não é propriamente um “envio” deles, e não indica algo a “fazer”. Quem é enviado é o Espírito, que será o protagonista da missão, enquanto a Igreja é chamada a “ser” testemunha e não a “fazer” alguma coisa. Essa dimensão do “ser” indica a essência missionária da Igreja chamada a testemunhar, reconhecer, apontar a missão que Deus, pelo seu Espírito, está realizando no mundo, no meio dos povos até os confins da terra. Nesse contexto, a dinâmica missionária fica por conta de uma “atração” da ação divina: o Espírito é enviado, enquanto a Igreja parece mais a reboque d’Ele.
Três significados de até os confins da terra
Nesse contexto de uma missão como atração, a expressão “até os confins da terra” comunica algo muito peculiar:
– revela o plano literário do livro dos Atos dos Apóstolos, descrevendo a progressão de uma saída da primeira comunidade de Jerusalém até os confins da terra;
– manifesta uma ideia de totalidade da missão, que abarca o universo e o sentido último das realidades humanas.
– aponta para um compromisso eclesial de se lançar às realidades mais extremas tanto geográficas como existenciais.
De Jerusalém até os confins da terra
Em primeiro lugar, essa expressão retrata a caminhada sofrida e titubeante da primeira comunidade em se abrir aos não-judeus, até compreender que os “outros” – os pobres considerados pecadores; os samaritanos considerados “impuros”; os tementes a Deus considerados “impedidos”; os pagãos considerados “idólatras” – pudessem ser também merecedores das promessas de Deus ao seu povo, sem se converter ao judaísmo.
A segunda acepção da palavra “confins” vem da palavra grega utilizada por Lucas: eschátou, que significa os “últimos”. A mesma palavra é aplicada para falar dos “últimos tempos”, dos “últimos dias”, de onde deriva a palavra “escatologia”. A palavra “confins” nesse caso transmite uma realidade última, junto a um sentido de finalidade e de totalidade espaço-temporal: trata-se das últimas coisas, do “fim último” que é Deus “do centro e do fim de toda a história humana, que a Igreja acredita ser o seu Senhor e Mestre” (GS 11).
O compromisso eclesial que deriva dessa abertura e dessa finalidade última, pode ser entendido ambiguamente segundo o canto do Servo de Javé: “Faço de você uma luz para as nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra” (Is 49,6; At 13,47). Mas não é a Igreja a luz das nações: é Cristo a luz das nações! É algo que nos supera, é algo que se distingue da pura identificação com a Igreja. É preciso deixar Jesus ser Jesus, mistério jamais engaiolado em qualquer de nossas estruturas, cuja função é fazer com que as pessoas possam encontrar o Senhor.
Os confins da terra representam até hoje para a Igreja caminhos de abertura, aprendizagem e aproximação: abertura positiva a todos os horizontes e a todos os saberes; aprendizagem com os outros porque “cada vez que nos encontramos com um ser humano no amor, ficamos capazes de descobrir algo de novo sobre Deus” (EG 272); aproximação que leva a habitar as periferias, para “despertar a esperança no meio às situações mais difíceis, porque, se não há esperança para os pobres, não haverá pra ninguém” (PG 67; DAp 395).
* Missionário Xaveriano