Artigo: Da Amazônia para os confins do mundo

Por: Dom Zenildo Lima*

Nossa reflexão quer tão simplesmente destacar como os lugares estão mutuamente implicados, e quais forças de movimentos se tencionam de um a outro. Confira o artigo do segundo dia de Conferência do 5º Congresso Missionário Nacional, realizado em Manaus, 10 a 15 de novembro de 2023.

O tema do 5º Congresso Missionário Nacional apresenta os contextos da localidade e da abrangência global em perspectiva de encontro: “Da Igreja local aos confins do mundo”. Esses espaços poderiam ser abordados como paradoxo, mas considerá-los em chave missionária consegue apontar melhor a dinâmica de deslocamento. Nesse sentido, a abordagem sugere movimento. Assim, nossa reflexão quer tão simplesmente destacar como os lugares estão mutuamente implicados e quais forças de movimento se tencionam de um a outro.

Consideramos ainda o lugar de onde fazemos esta reflexão: O lugar de onde falamos é “o caminho”, o peregrinar da Igreja da Amazônia Brasileira ou ainda mais especificamente as Igrejas Locais nos regionais, no Regional Norte 1, na Arquidiocese de Manaus. A pergunta que se levanta é: qual a incidência ou a contribuição da experiência local que possa iluminar o lugar de totalidade, ou mesmo, que luzes podem-se lançar para um caminho missionário.

Levamos em conta dois princípios que podem nos respaldar: o dinamismo da Revelação Cristã que, historicamente situada, apresenta-se com pretensão de universalidade; e o princípio da parte pelo todo, assumido por ocasião do Sínodo da Amazônia.

A Dinâmica da Revelação
A lógica pela qual o evento da revelação se realiza implica na autocomunicação de Deus que se faz acessível na historicidade humana. Ao assumir essas configurações da história, assume também os limites implicados. A primeira experiência que se faz dessa automanifestação de Deus está no acontecimento do êxodo, uma situação de opressão e libertação experimentada por um povo. Não se tratava de uma situação única, exclusiva de Israel, mas o diferencial diante de outros povos, os quais poderiam ter vivido experiências semelhantes. É a consciência da intervenção de Deus nessa história. É a partir dessa experiência situada que se alcança a compreensão de que o agir de Deus é universal: ele é o criador de tudo que existe.

Essa passagem, da concepção do Deus de um povo para o criador de toda realidade, foi se estabelecendo não sem ambiguidades conflitivas, disputas religiosas e disputas de territórios à luz da religiosidade subjacente. O núcleo essencial desse conteúdo que se compreende como salvífico, isto é, plenificador da existência humana, foi alcançando tanto mais sua legitimidade quanto menos dependeu de uma elaboração estagnada ou estática de sua compreensão. Desse modo, os eventos “particulares” que compõem o núcleo da revelação judaico-cristã tornaram-se iluminadores para todos os homens e mulheres de todos os lugares, e de todos os tempos. Se não fosse assim, toda ação missionária soaria não como uma comunicação que liberta, mas como uma imposição religiosa.

A parte pelo todo – Sínodo da Amazônia
Da mesma forma, encontramos uma consideração válida, a perspectiva do Documento Preparatório do Sínodo da Amazônia, que recordava a dinâmica da parte pelo todo: “As reflexões do Sínodo Especial superam o âmbito estritamente eclesial amazônico, por serem relevantes para a Igreja universal e para o futuro de todo o planeta.” (Doc. Preparatório Sínodo Amazônia), ou ainda o “pars pro toto” do Instrumentum Laboris que, nesse princípio, apresenta o diálogo como atitude capaz de permitir esse diálogo entre a Amazônia e o mundo: (cf. n. 37).

Aqui encontramos uma referência ao que chamamos, no início, de movimento que interliga as realidades local e global. O texto do Instrumentum Laboris, ao usar a categoria do diálogo, parte da Encarnação. Essa é uma compreensão chave para a nossa reflexão.

Entre colonização e encarnação
No texto base do 5º Congresso Missionário Nacional, há uma leitura otimista da capacidade de a Igreja na Amazônia superar uma história com traços de colonização, e moldar-se numa perspectiva de encarnação. Os elementos que o texto apresenta sinalizam essa tensão dos movimentos para a Amazônia, e a partir da Amazônia. E conforme o que foi citado a partir do Instrumentum Laboris, não se trata somente de uma questão eclesial, senão também social, cultural e ecológica.

Nunca é demasiado ter clareza que, ao falarmos de Amazônia, falamos de uma realidade complexa, mas não complicada! Sirvo-me aqui do nº 67 do texto base:
“A querida Amazônia apresenta-se aos olhos do mundo com todo seu esplendor, seu drama e o seu mistério”. Conhecida como pulmão/coração do mundo, por sua grande participação no equilíbrio climático do planeta, a Pan-Amazônia, também assim chamada, é um extenso território com uma população estimada em 33.600.000 de habitantes, entre os quais, estão mais de 2 milhões de Povos Indígenas. Uma de suas principais imagens é a imensidão de águas, a maior bacia hidrográfica do mundo, com seu grandioso rio Amazonas, com mais de mil afluentes; o território estende-se por 9 países: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e o Brasil com mais de 50% de sua área territorial.

Implicações para as igrejas locais frente ao apelo da missão ad gentes
a) A própria missão desenvolvida na Igreja Local molda-se como abertura ad gentes: a ousadia de lançar-se aos destinatários jamais interpelados pelo anúncio missionário.
b) Um anúncio que inicia pela escuta – princípio do diálogo: constituir-se na diversidade e a partir dela permitir moldar uma atitude acolhedora, a qual não petrifica ou absolutiza formulações e expressões, mas, justamente, na tentativa de salvaguardar o que é essencial busca descobri-lo naquilo que o diferente traz. Nisso, está implicada a questão da mulher na Igreja!
c) A Igreja Missionária apresenta-se como Igreja Samaritana: A carta que o Papa dirigiu a nós, participantes do congresso: “quantos belos testemunhos de missionários e missionárias que (…) encontram-se nos lugares e continentes mais distantes, muitas vezes em situações desafiadoras diante de uma humanidade ferida, a causa de uma cultura que descarta os mais fragilizados.”
Outro modo de apresentar essa dinâmica é o que o texto base afirma como “nascer de novo vivenciado dos missionários à vida ressuscitada das populações locais”
d) Da inculturação à interculturalidade – um sonho cultural: Boa notícia como garantia de vida, garantia do espaço vital de um povo, sua terra, seu território. Para os seguidores/as, os missionários e missionárias de Jesus, aquele que ‘veio para que todos tenham vida e vida em abundância.’ O cuidado e a defesa da vida antecedem qualquer processo eclesial.
e) As comunidades como desdobramento do anúncio missionário: Comunidades eclesiais missionárias – CEB’s.
f) Decolonizar os processos de evangelização: ‘primeirar’ em novos processos – dar protagonismo ao Espírito (aspecto pneumatológico – CAM 6).

Fecundidade missionária
Semelhante ao texto base, trago a questão da vida doada como maior expressão de fecundidade missionária. Em regiões e situações de disputas e conflitos apresenta-se como martírio, nas regiões e situações de escassez de direitos e de cuidados, expressa-se como uma solidariedade obediente até a morte, e morte de cruz.

* Bispo auxiliar da Arquidiocese de Manaus

 

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