Caminhar juntos

Por Pe. Maurício da Silva Jardim*

Sínodo significa caminhar juntos numa atitude de escuta. Assim, para os padres sinodais pedimos ao Espírito Santo, antes de mais nada, o dom da escuta. “O Sínodo dos Bispos deve tornar-se cada vez mais um instrumento privilegiado de escuta do Povo de Deus: escuta de Deus, até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo até respirar nele a vontade a que Deus nos chama” (Episcopalis communio, n. 6).

O processo sinodal se desdobrou em três momentos: Fase preparatória que aconteceu desde a convocação do Papa Francisco em 15 de outubro de 2017, quando se iniciou o processo de escuta sinodal e fez nascer o instrumento de trabalho. A escuta aconteceu nas assembleias e rodas de conversas, envolvendo 87 mil pessoas dos nove países da Pan-amazônia; a Assembleia Sinodal realizada em Roma, num encontro fraterno de 21 dias, de 6 a 27 de outubro de 2019; e o Pós-Sínodo com a publicação da Exortação Apostólica Pós-Sinodal do Papa Francisco, e a recepção das indicações do sínodo em todas as Igrejas locais do território Pan-amazônico.

O chamado à conversão foi um dos destaques da assembleia sinodal. O documento final se estrutura em cinco capítulos que nos convoca à conversão Integral, a “única conversão ao Evangelho vivo, que é Jesus Cristo, que se desdobra em quatro dimensões interligadas para motivar a saída para as periferias existenciais, sociais e geográficas da Amazônia: conversão pastoral, cultural, ecológica e sinodal” (Documento final, 19). Na prática, a conversão pastoral se dá saindo de uma pastoral de conservação para uma pastoral mais ousada, missionária e que vai ao encontro das pessoas. O sínodo indicou um caminho novo desse âmbito pastoral: ‘sair de uma pastoral de visita para a pastoral da presença´ que se traduza numa evangelização de diálogo intercultural, permanecendo junto às comunidades dos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas.

O sínodo fez recepção a três importantes documentos do magistério do Papa Francisco Laudato Si (‘Louvado sejas’) sobre o cuidado da Casa Comum, que chamou à conversão ecológica; Exortação apostólica Evangelli Gaudium (‘A Alegria do Evangelho’), que nos chamou à conversão missionária; Constituição apostólica ‘Episcopalis communio’, que nos chamou para a conversão à sinodalidade.

Para a recepção dos novos caminhos para Igreja e para uma Ecologia Integral, destaco a importância de nos focarmos nos quatro diagnósticos que nasceram da escuta: pastoral, social, ecológico e cultural.

Diagnóstico Pastoral

É fundamental superar o modelo de missão colonizadora e, ainda, constatou-se que a maioria das comunidades na Amazônia não tem acesso à celebração eucarística, sendo coordenadas e animadas por leigos, em grande parte mulheres. “Como Igreja de discípulos missionários, suplicamos a graça da conversão que ‘implica deixar fluir todas as consequências do encontro com Jesus Cristo nas relações com o mundo que nos rodeia” (LS 21); uma conversão pessoal e comunitária comprometida em nos relacionarmos harmoniosamente com a obra criadora de Deus, que é a “casa comum”; uma conversão que promova a criação de estruturas em harmonia com o cuidado da criação; uma conversão pastoral baseada na sinodalidade, que reconheça a interação de tudo o que foi criado. Conversão que nos leve a ser uma Igreja em saída e que entre no coração de todos os povos amazônicos (Documento final do sínodo, 18).

Diagnóstico social

Há no território Amazônico uma crise socioambiental sem precedentes que ameaça a vida do bioma amazônico e seus povos originários: “Amazônia hoje é uma beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os ataques à natureza têm consequências para a vida dos povos. Essa crise socioambiental única se refletiu nas escutas pré-sinodais que sinalizaram para as seguintes ameaças contra a vida: apropriação e privatização de bens da natureza, como a própria água; concessões florestais e a entrada de madeireiras ilegais; caça e pesca predatória; megaprojetos insustentáveis (hidrelétricas, concessões florestais, exploração massiva de madeira, monoculturas, estradas, hidrovias, ferrovias e projetos de mineração e petróleo); contaminação causada pela indústria extrativista e lixões urbanos; e, sobretudo, mudança climática. São ameaças reais associadas a graves consequências sociais: doenças derivadas da contaminação, narcotráfico, grupos armados ilegais, alcoolismo, violência contra a mulher, exploração sexual, tráfico humano, venda de órgãos, turismo sexual, perda da cultura originária e da identidade (língua, práticas espirituais e costumes), criminalização e assassinato de lideranças e defensores do território. Por trás de tudo isso estão os interesses econômicos e políticos dos setores dominantes, com a cumplicidade de alguns governantes e algumas autoridades indígenas. As vítimas são os setores mais vulneráveis, crianças, jovens, mulheres e a irmã mãe-terra (Documento final do sínodo, n. 10).

Diagnóstico ecológico

“Todos os participantes expressaram uma profunda consciência da dramática situação de destruição que afeta a Amazônia. Isso significa o desaparecimento do território e de seus habitantes, especialmente dos povos indígenas. A floresta amazônica é um “coração biológico” para a terra cada vez mais ameaçada. Se encontra em uma corrida desenfreada para a morte. Requer mudanças radicais de suma urgência e um novo direcionamento que permita salvá-la. Está cientificamente comprovado que o desaparecimento do bioma Amazônia trará um impacto catastrófico para o planeta!” (Documento final do sínodo, 2).

Diagnóstico cultural

Apontou que todos somos convocados ao respeito às culturas e aos direitos dos povos: “Todos nós somos convidados a nos aproximarmos dos povos amazônicos de igual para igual, respeitando sua história, suas culturas, seu estilo de ‘bem viver” (PF 06.10.19). O colonialismo é a imposição de certos modos de vida de alguns povos sobre outros, seja economicamente, culturalmente ou religiosamente. Rejeitamos uma evangelização ao estilo colonial. Anunciar a Boa Nova de Jesus implica reconhecer as sementes do Verbo já presentes nas culturas. A evangelização que hoje propomos para a Amazônia é o anúncio inculturado que gera processos de interculturalidade, que promovem a vida da Igreja com identidade e rosto amazônicos (Documento final do sínodo, 55).

Participar de um sínodo é uma graça de Deus por três motivos. O primeiro é sentir na prática o que significa ser Igreja Povo de Deus na comunhão, na escuta e no discernimento conjunto. Caminhar juntos na Igreja não anula as diferentes visões sobre qualquer tema. Outro motivo é experimentar que o sínodo não é um parlamento onde alguns saem vencedores e outros perdedores. Todos saímos vencedores após um longo caminho de escuta, reflexão e consenso. Terceiro é a proximidade com o Papa Francisco que presidiu a Assembleia Sinodal numa atitude atenta de escuta. Agora é prosseguir, no desejo de todos ficarmos abertos aos novos caminhos que o processo sinodal nos indicou.

* Diretor Nacional das POM

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