Por Antônia Helena Lima Santos, Missionária Capuchinha
Cheguei em Moçambique em fevereiro de 2014, na realização de um sonho muito antigo. Esse sonho até havia abandonado, mas foi possibilitado a partir do curso do Profolider (Centro Cultural Missionário), além de muito esforço e confiança no Senhor.
Quando cheguei em Moçambique na pequena cidade do Gurué, na Província da Zambézia, era tempo chuvoso e estava frio. Eu, como muitos nordestinos, nunca gostei de frio e foi um sofrimento que não tinha data para terminar. Junto com o frio veio a solidão, longe das irmãs de caminhada, dos amigos e familiares, a saudade do país, da minha cultura, me sentia sozinha no mundo. Como se não bastasse, não havia trabalho, com uso do tempo só para conhecer a realidade, de observar.
Confesso que foi difícil e, somente depois, ganhei uma missão: alfabetizar crianças de várias idades. Foi um grande presente a que me dediquei de corpo e alma. Usei o método de Paulo Freire e senti muita alegria em realizar esse trabalho, sendo um momento de muito aprendizado também para mim, pois aprendia com as crianças muitas coisas da cultura e nos tornamos parceiros, amigos. Fizemos de nossas aulas momentos de aprendizado, de convivência com passeios, cantorias, danças e muitas alegrias.
Aos poucos esqueci o frio e a saudade, tornando-me parte desse mundo tão esquecido dos pequenos. Junto com as crianças, comecei a me encontrar com seus pais que falavam da alegria de ver seus filhos lendo e escrevendo e isso foi me dando força e alegria para viver nesse lugar.
Fui participando de outros trabalhos também importantes, como a pastoral carcerária pela qual conseguimos, com ajuda de parceiros, criar uma associação chamada “Associação Witxala” onde trabalhamos com costura. Depois veio o trabalho com círculos bíblicos e vi que a palavra de Deus tem muito a nos ensinar diante da cultura africana.
Todas as dificuldades foram sendo superadas, menos uma: A malária. Essa foi uma doença que me aproximou da morte. Senti muitas vezes a sensação de que a minha hora já havia chegado e que tinha sido abandonada por Deus. Achava que um Deus amor não podia deixar uma filha sua sofrer assim e não conseguia perceber seu amor.
Tive muitas malárias e cada vez que surgiam vinha o sentimento de profundo abandono por parte de Deus e de todos que me cercavam. Eram momentos de profunda angústia e desespero e ainda pensava: Ao morrer eu iria para onde mesmo se Deus tinha me abandonado? Me sentia à beira do abismo. Confesso que passei no vale da morte muitas vezes, mas sempre busquei me disciplinar na vida de oração, na vida fraterna e na convivência com os pobres.
Pequenas luzes iam acendendo em meu coração e fui compreendendo que ter malária era consequência de minhas escolhas, sendo impossível viver com os pobres sem sentir suas dores, suas necessidades. Não existe vacina contra a malária e Deus seria injusto se criasse uma só para mim.
Essa compreensão fez com que eu me sentisse amada por Deus e perdesse o medo da malária, sentindo-me entregue nas mãos amorosas de Deus e deixando-me ser guiada por ele. Até onde eu pude chegar junto à morte, sinto que Deus com seu divino Espírito me fez vencê-la e me associar à cruz de Cristo e, junto a Ele, a morte foi vencida totalmente. A esse Deus que me criou, me quis e me consagrou, a ele todo meu louvor e minha eterna gratidão.
Me sinto realizada como consagrada e como pessoa. Percebo que a missão, quanto mais desafiadora, é mais reveladora do rosto de Cristo nos pobres e nas circunstâncias que a vida nos oferece.