Como distintivo dos seus discípulos, Cristo pôs sobretudo a lei do amor e do dom de si mesmo aos outros (cf. Mt 22, 39; Jo 13, 34), e fê-lo através dum princípio que um pai ou uma
mãe costumam testemunhar na sua própria vida: «Ninguém tem maior amor do que quem dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13). Frutos do amor são também a misericórdia e o perdão.
Nesta linha, é emblemática a cena que nos apresenta uma adúltera na explanada do templo de Jerusalém, primeiro, rodeada pelos seus acusadores e, depois, sozinha com Jesus, que não a condena mas convida-a a uma vida mais digna (cf. Jo 8, 1-11).
No horizonte do amor, essencial na experiência cristã do matrimônio e da família, destaca-se ainda outra virtude, um pouco ignorada nestes tempos de relações frenéticas e superficiais: a ternura. Detenhamo-nos no terno e denso Salmo 131, onde – como se observa, aliás, noutros textos (cf. Ex 4, 22; Is 49, 15; Sl 27/26, 10) – a união entre o fiel e o seu Senhor é expressa com traços de amor paterno e materno. Lá aparece a intimidade delicada e carinhosa entre a mãe e o seu bebé, um recém-nascido que dorme nos braços de sua mãe depois de ter sido amamentado. Como indica a palavra hebraica gamùl, trata-se dum menino que acaba de mamar e se agarra conscientemente à mãe que o leva ao colo.
É, pois, uma intimidade consciente, e não meramente biológica. Por isso canta o Salmista: «Estou sossegado e tranquilo, como criança saciada ao colo da mãe » (Sl 131/130, 2). Paralelamente,
podemos ver outra cena na qual o profeta Oseias coloca na boca de Deus, visto como pai, estas palavras comoventes: «Quando Israel era ainda menino, Eu amei-o (…), Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços (…). Segurava-o com laços de ternura, com laços de amor, fui para ele como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto; inclinei-me para ele para lhe dar de comer» (Os 11, 1.3-4).
Com este olhar feito de fé e amor, de graça e compromisso, de família humana e Trindade divina, contemplamos a família que a Palavra de Deus confia nas mãos do marido, da esposa e dos filhos, para que formem uma comunhão de pessoas que seja imagem da união entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Por sua vez, a actividade geradora e educativa é um reflexo da obra criadora do Pai. A família é chamada a compartilhar a oração diária, a leitura da Palavra de Deus e a comunhão eucarística, para fazer crescer o amor e tornar-se cada vez mais um templo onde habita o Espírito.
Cada família tem diante de si o ícone da família de Nazaré, com o seu dia-a-dia feito de fadigas e até de pesadelos, como quando teve que sofrer a violência incompreensível de Herodes, experiência que ainda hoje se repete tragicamente em muitas famílias de refugiados descartados e inermes. Como os Magos, as famílias são convidadas a contemplar o Menino com sua Mãe, a prostrar-se e adorá-Lo (cf. Mt 2, 11). Como Maria, são exortadas a viver, com coragem e serenidade, os desafios familiares tristes e entusiasmantes, e a guardar e meditar no coração as maravilhas e Deus (cf. Lc 2, 19.51). No tesouro do coração de Maria, estão também todos os acontecimentos de cada uma das nossas famílias, que Ela guarda solicitamente. Por isso pode ajudar-nos a interpretá-los de modo a reconhecer a mensagem de Deus na história familiar.
Parte da Exortação Apostólica Pós-Sinodal AMORIS LÆTITIA do Papa Francisco