É hora de abrir a porta de casa

Por Dom Pedro Brito Guimarães*

“O distanciamento físico (“que só se aproximem até um metro”), pode gerar o distanciamento social (“que não me venham com mais problemas, porque já tenho os meus”) e desembocar no distanciamento emocional (“olho ao meu redor e sinto as pessoas como uma ameaça” (Padre Adroaldo Palaoro SJ).

Estamos na época do efeito sanfona: abre e fecha, permite e proíbe, decreta e “des-decreta” (perdoe o neologismo), faz a conta e faz-de-conta. Mas, estamos na hora de retornar e recomeçar, de abrir a porta de casa, certamente não somente a porta física, mas a porta do coração. Esta porta é mais perigosa quando está fechada. “Homem algum é uma ilha” (Tomás Merton). Abrirei a porta da minha vida, do meu coração:

No tempo do meu distanciamento físico-social-emocional, convivi comigo mesmo, com meus sonhos e minhas sedes, com meus medos e minhas frustrações, com meus problemas e meus dilemas, com meus acertos e meus erros, com meus surtos e meus devaneios, com minhas dúvidas e minhas inspirações, com o que me conheço e com o que me desconheço. Foram dias em que quase não consegui respirar. No entanto, me aguentei, o máximo que pude, até me decidir mudar. Mudei e estou mudando. Decidi abrir a porta da minha vida. Com quais atitudes?

A primeira atitude é a expertise. O tempo dessa pandemia foi um verdadeiro laboratório. O meu protocolo, ao abrir a porta, é não ser negacionista. Como disse Erasmo Carlos: “Sou uma criança, não entendo nada” ou “eu era um homem e entendia tudo?” Neste tempo, aprendi que não haverá outra chance para o novo normal sem o novo humano. Como alguém disse “a Covid-19 afetou os humanos e não os animais”. Os animais, coitados, são afetados pelo vírus negacionista que nos infectou. Eles são vítimas dessas nossas infectações.

O quanto durar a Covid-19 será um tempo muito cruel para muita gente. Ele suga as nossas melhores energias vitais. Mostra o quanto somos desiguais, mais do que podemos imaginar e admitir. Um vírus que veio, por intermédio de uns poucos, se apossou dos mais vulneráveis. Portanto, é hora de sair da bolha, do casulo, da prisão e da casa, pois, ainda não existem remédios e vacinas para a Covid-19. O único remédio é ainda o distanciamento. É bom, por fim, saber que não vamos, por enquanto, voltar ao que convencionamos chamar de “normal”. Era normal o modo de vida que vivíamos?

E a segunda atitude é a santidade, ao pé da porta: “Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade ‘ao pé da porta’, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da ‘classe média da santidade’” (Papa Francisco, GE 7).

O ser humano e a Entidade que mais irão se dar bem, ao abrir a porta e ao sair de casa, são aquele e aquela que primarem pelo cuidado. Porque há doenças que precisam ser curadas; feridas que precisam ser saradas; dores que precisam ser balsamizadas; abraços e apertos de mãos que precisam ser dados; distâncias que precisam ser diminuídas; posturas, hábitos e costumes que precisam ser redimensionamos; gestos e gostos que precisam ser reeducados; filhas e filhos que precisam ser cuidados; passos que precisam ser dados…

E qual será o teor da primeira conversa, ao abrir a porta? Será como disse Vinicius de Morais: “Hoje é sábado, amanhã é domingo (…) todos os bares estão repletos de homens vazios?” Com expertise e com santidade, ao pé da porta, o início ou reinício vai ser difícil, mas com o passar do tempo, a gente vai se acostumando com o anormal se tornando normal. O que vou encontrar ao abrir a porta? Ruas cheias ou vazias? Mais pessoas mascaradas ou mais desmascaradas? Mais coveiros ou mais enfermeiros? Mais infectados ou mais desinfetados de todos os vírus? Mais cientistas ou mais negacionistas? Mais cuidadores ou mais descuidados? Irei continuar usando máscara, higienizando as mãos, com água e sabão e álcool em gel? Irei continuar no distanciamento de, mais ou menos, um metro? Continuarei teletrabalhando? E continuarei mais no digital, já que não é possível ainda estar totalmente no presencial?

Portanto, em espírito de oração e de caridade, é hora de “quebrar os espelhos e abrir as janelas” (Papa Francisco). Se ainda não é a hora de sair de casa é, ao menos, hora de virar a chave, abrir a porta, contemplar o céu, olhar o mundo e o que está ao seu redor, e dizer: “eis-me aqui, envia-me” (Is 6,8). Por que se eu não abrir a porta, quem vai me trazer comida?

* Arcebispo de Palmas (TO)

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