Segundo estudo de 2016 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Governo Federal, considerando apenas a população total do Brasil e a proporção da população residente em municípios, a projeção no país é de um total de 122.890 pessoas em situação de rua.
Muitos desses não podem sequer responder ao apelo tão propagado neste tempo de avanço do novo Coronavírus: “Fique em casa” porque não têm onde morar. Atenta à esta realidade, a Igreja Católica no Brasil, em várias localidades e regiões do país, tem colocado seus espaços à disposição para tornar esta população menos vulnerável e mais protegida da Covid-19. Conheça algumas experiências.
Arquidiocese de Maceió (AL)
A ação da Arquidiocese de Maceió em parceria com a Prefeitura de Maceió, Governo de Alagoas e a comunidade oferece 1.200 refeições por dia e uma programação diversificada para entreter cerca de 200 pessoas em situação de rua.
O dia começa cedo para as famílias e os colegas conhecidos já das praças, ruas, viadutos, vindos de uma vida amarga. Com a pandemia, a rotina mudou. O despertar é às 5h30 para um dia produtivo com refeições, mutirão de limpeza e organização dos espaços que se tornaram uma casa, atividades com voluntários, profissionais da Saúde e da Assistência Social, exibição do jornal, momentos de oração e até o Cine Pipoca, com filmes educativos e de lição de vida.
Assim é o dia a dia das pessoas em situação de rua acolhidas pela Arquidiocese de Maceió. O prédio cedido pela Casa Dom Bosco acolhe em média 40 idosos – que fazem parte do grupo de risco – e o Centro de Educação de Jovens e Adultos, cedido pela Secretaria Estadual de Educação, está com mais de 160 pessoas divididas em “quartos” para famílias, homens e mulheres. Todas as crianças estão com os pais.
Se o maior desafio do enfrentamento ao coronavírus é de manter o isolamento social, como orientam os órgãos de saúde, para o frei João, da Fraternidade Casa de Ranquines e coordenador da Pastoral do Povo da Rua, o problema se tornou ainda maior para aqueles que ouviam o “fique em casa”, mas que não têm casa.
Inquieto com a situação, o religioso articulou, com o Setor Juventude, a instalação dos abrigos com o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua em Maceió e poderes Executivo.
“Nos cederam kit dormitório e de higiene, almoço e janta com quentinhas vindas do Restaurante Popular e do ‘Bandejão’. O café da manhã, lanches, acolhida e organização ficaram por conta da Arquidiocese de Maceió. Tudo é mantido por doações, inclusive da sociedade civil que tem nos ajudado bastante graças a Deus, para que a gente possa exercer o trabalho como maior dignidade”, afirma frei João.
Além da assistência aos moradores que estão nos abrigos provisórios, a Fraternidade Casa de Ranquines também acompanha outras pessoas em situação de rua que não aceitam viver nos abrigos, como lembra o frei: “há várias pessoas que nós não conseguimos tirar da rua, mas continuamos dando assistência com alimentação e conscientização”.
Olhar samaritano
O arcebispo metropolitano de Maceió, dom Antônio Muniz Fernandes, lembra que, apesar do isolamento social, a Igreja está presente na vida dos mais necessitados. “Assim como eu, que faço parte do grupo de risco, também outros padres não podem estar presentes nos abrigos, mas isso não significa que estamos deixando acontecer de qualquer forma. Estamos participando efetivamente disso tudo”, diz dom Antônio Muniz.
Apesar de todo apoio já recebido, os abrigos continuam dependendo da solidariedade de todos. As doações podem ser entregues na Casa de Ranquines, ao lado da Catedral, ou no Santuário Arquidiocesano Virgem dos Pobres, em Mangabeiras. As contribuições em dinheiro podem ser realizadas por depósito ou transferência nas contas bancárias da Associação Católica São Vicente de Paulo (CNPJ: 08.585.407/0001-30): Caixa – Agência 0055, Operação 003, Conta Corrente 3039-7 e Banco do Brasil – Agência 3179-8, Conta Corrente 42450-1.
Experiência no Recife (PE)
“Cheguei na praça perto da hora do almoço e vi cinco jovens com uma sacola cheia de macarrão, o alimento caiu, espalhou-se no chão, e ali mesmo eles começaram a comer”. A imagem dolorosa descrita por Ítalo Maciel, 29 anos, seminarista da Arquidiocese de Olinda e Recife, aconteceu em 16 de março, primeiro dia do decreto do Governo de Pernambuco, que impôs o isolamento social no Estado devido ao novo coronavírus.
A cena chocante inquietou o futuro sacerdote e o fez mobilizar voluntários da Pastoral do Povo de Rua de algumas paróquias, que tiveram o trabalho limitado pela norma estadual. Pouco mais de duas semanas depois de prover refeições diárias aos desabrigados e ouvindo deles a necessidade de ter um lugar para viver com dignidade e menos riscos de contrair a Covid-19, o grupo abriu a Casa de Acolhimento e Misericórdia.
O espaço, que “é mais do que um abrigo, é um lar onde todos vivem em família”, como Ítalo reforça, funciona desde o dia 1º de abril em uma casa alugada no bairro de Afogados, zona oeste da capital pernambucana. O domicílio com capacidade para 16 pessoas tem três quartos, quatro banheiros, sala, capela, cozinha, varanda, quintal e garagem.
Todos os cômodos foram mobiliados com doações da Cáritas Brasileira Nordeste 2, Paróquia Santo Antônio dos Prazeres, Comunidade Obra de Maria e da Prefeitura do Recife. A alimentação neste primeiro mês foi garantida pela Paróquia Nossa Senhora da Paz, território no qual a casa está localizada, e pelo projeto Tribunal Solidário do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE).
Assim como outros projetos sem fins lucrativos, a Casa de Acolhimento e Misericórdia depende da solidariedade para salvar vidas. O primeiro aluguel de R$ 1.400 foi pago pelo padre Damião Silva, o do próximo mês, que vence no dia 10 de maio, está dependendo da captação de voluntários. A iniciativa conta com o apoio de dom Limacedo Antônio da Silva, bispo auxiliar de Olinda e Recife e presidente da Comissão Regional Pastoral para a Ação Social da CNBB NE2.
Dependência química
A família da Casa de Acolhimento e Misericórdia é formada por Ítalo e mais nove homens com idades entre 25 e 50 anos. Alguns são dependentes químicos e estão sendo acompanhados por profissionais do Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) do bairro. Na residência, esses acolhidos estão aprendendo os 12 passos propostos pela Pastoral da Sobriedade.
“Em caso de atendimento médico, os voluntários acompanham nas consultas e ajudam a adquirir e a fazer a correta administração dos remédios”, afirma Ítalo.
Na Casa de Acolhimento e Misericórdia, as tarefas diárias, que incluem a criação de galinhas e, em breve, o manejo de uma horta, são alternadas com momentos de oração e partilha onde ocorrem a leitura do Evangelho do dia e recitações dos terços marianos. As obrigações são divididas com cerca de 15 voluntários envolvidos diretamente na manutenção da residência.
“É como em outras famílias, aqui cada um tem sua atribuição, por exemplo, uns cuidam da cozinha, outros da limpeza, todo mundo tem responsabilidades”, explica Ítalo.
A programação construída diariamente, conforme as escolhas dos próprios moradores, também oferece oficinas de autoconhecimento e momentos de lazer. “Não queremos impor nada rígido porque o objetivo é que eles se sintam bem à vontade. O que se exige é uma disciplina natural de uma casa em tempos de quarentena, ou seja, ninguém pode sair”, conta o seminarista.
Reinserção social
Além da experiência da fé cristã, da construção de laços familiares e do incentivo à formação do senso de responsabilidades individuais e coletivas, os voluntários da Casa de Acolhimento e Misericórdia vão incluir a qualificação profissional na rotina dos moradores. O projeto prevê para o período pós-pandemia a oferta de cursos, que deverão ser ministrados com a ajuda voluntária.
A Casa de Acolhimento e Misericórdia fica na rua Pirajá, número 140, em Afogados, Recife (PE). Interessados em ajudar com doações ou como voluntário, podem entrar em contato com o perfil do projeto no Instagram @casadeacolhimentoemisericordia.
Arquidiocese de Londrina (PR)
Cama confortável, alimentação na hora certa e cuidados de higiene garantidos. Espaços amplos, privacidade e atividades durante o dia. É esta a realidade encontrada pelas cerca de 90 pessoas em situação de rua que já foram acolhidas até agora nas três casas de retiro cedidas pela arquidiocese e outras duas congregações religiosas católicas de Londrina para a Secretaria de Assistência Social no combate à pandemia do novo coronavírus. “São espaços destinados ao isolamento social dessa população, são pessoas que não estão infectadas [com o novo coronavírus] e estão ali para ficarem isoladas”, explica Deusa Favero, gerente da Cáritas Arquidiocesana, entidade da Igreja responsável pela parceria com a prefeitura.
Casa de acolhida dos homens
A população de rua está dividida em três perfis diferentes: um espaço destinado a idosos, um destinado a homens e outro a mulheres e crianças. A casa de acolhida dos idosos, por se tratar de população prioritária no isolamento social, foi a primeira a receber as pessoas, seguido dos outros dois espaços.
A prefeitura é quem faz o encaminhamento das pessoas a partir da demanda do Centro Pop, serviço municipal que atende população em situação de rua. “São transferidas pessoas que já estavam na Casa do Bom Samaritano e na Casa de Passagem, ficam ali por sete dias para avaliar, ver como estão de saúde e depois vem pra cá”, conta Flávia Angélica Andrease, assistente social coordenadora do Centro Pop e da Abordagem Social, que está atuando na casa de acolhida dos idosos. Esse caminho será feito por todas as pessoas acolhidas nas casas da arquidiocese.
Para a assistente social, a parceria com a Igreja é importante pois possibilita um acolhimento com dignidade à população de rua. “Se não tivesse [a parceria] não sei como seria. Aqui eles estão sendo bem acolhidos. Alguns municípios estão acolhendo população de rua em estádios, ginásios, lugares que são insalubres. Mas é preciso acolher com dignidade, não é qualquer lugar. Os três lugares que a Igreja cedeu são ótimos, tem toda estrutura, cozinha, equipamentos, imagine se tivéssemos que levá-los para o Moringão, por exemplo, não ia ter condição”, destaca Flávia.
Trabalham nas casas oito educadores sociais divididos em turnos de 4 horas, um auxiliar de serviços gerais, duas merendeiras e uma equipe técnica composta por três pessoas, entre coordenador, assistentes sociais, psicólogos e orientadores sociais. A equipe de educadores sociais também é responsável por ministrar oficinas como jogos, música, teatro e dança.
Segundo Flávia, até agora não foi preciso fazer abordagem da população nas ruas, as casas de acolhida estão recebendo a demanda das pessoas que ligam ou vão até o Centro Pop. “Esta é uma rede de serviços que já é feita no município, e agora foi ampliada.”
Ação da Prefeitura
Na parceria entre arquidiocese e prefeitura, a Igreja cede os espaços e a secretaria arca com as despesas. Na primeira semana de acolhimento, entre os dias 30 de março e 6 de abril, todo material utilizado, como alimentos, roupa de cama e banho e materiais de higiene, foi fornecido pelas doações recebidas pela Igreja Católica no Espaço Dom Bosco da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, ponto que a arquidiocese montou para arrecadação de doações.
A partir desta semana a prefeitura vai enviar produtos comprados por licitação. “Todos os trabalhadores e a responsabilidade é da Secretaria de Assistência. Então quando acabar esse período, o que vai ser feito, para onde as pessoas serão encaminhadas, os encaminhamentos finais é responsabilidade da secretaria”, explica Josiane Nogueira, diretora da proteção social especial do município.
Foz do Iguaçu
A Cáritas diocesana de Foz do Iguaçu, junto à Fraternidade O Caminho, em parceria com o Poder Público, cedeu, a princípio por 90 dias, o espaço do antigo Seminário Nossa Senhora de Guadalupe, para acolher pessoas em situação de rua e outras que necessitem de abrigo nesse tempo de pandemia. A secretaria de Assistência Social fará a triagem das pessoas e oferecerá os profissionais
Fonte: CNBB