Por Andrey Oliveira Silva*
Ter os corações ardentes e os pés a caminho, são ações do discípulo que realmente se deixou encontrar pelo mestre, e que, através desta experiência é capaz de anunciar e transmitir a outros a alegria deste encontro, o missionário é aquele que extasiado pelo encontro com a Pessoa do Cristo, deseja que o transbordamento deste encontro seja levado a outros, que por inúmeras situações, são privados desta experiência.
A Igreja é em sua identidade missionária e deve não somente anunciar, mas também denunciar. Anunciar Cristo, seu amor, misericórdia e compaixão para com todos. Denunciar as injustiças e explorações do povo e do meio ambiente, na chamada ecologia integral que o papa Francisco constantemente retoma em seus pensamentos, que olha o ser humano em sua totalidade e seu trato para com a casa comum.
Nós somos a Igreja e participamos, pelo mandato de Jesus, da sua missão confiada pelo Pai, na ação do Espírito Santo, para ir a todo o mundo e anunciar a Boa Nova. Enquanto Igreja precisamos fazer comunhão, e o caminho é a vivência fraterna e solidária principalmente com aqueles que mais sofrem. É preciso que seja valorizada a cultura do encontro, da proximidade e do acolhimento.
O povo amazonense mostrou desde o primeiro momento, do contato para a realização da experiência missionária, ser um povo acolhedor, alegre e solícito. E a riqueza humana, cultural e natural existente nesse coração do Brasil interpela a cada cristão a sair de si mesmo e olhar para a totalidade da casa comum e valorizar o que realmente importa, evitando tudo aquilo que é supérfluo como os bens financeiros. É preciso deixar as estruturas que sufocam para acolher e abrir-se ao discipulado de Cristo que nos pede para abandonar tudo e segui-lo.
O apelo de São Paulo VI: “Cristo aponta para a Amazônia” e o coração abrasado, foi oque motivou missionários de todos os Estados do Brasil, a se reunirem na grande tapera da Igreja Amazônica, primeira vez, para junto com o povo amazonense testemunhar que somos todos missionários.
O Conselho Missionário de Seminaristas (COMISE), as Pontifícias Obras Missionárias (POM), a Organização dos Seminários e Institutos do Brasil (OSIB) e a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), estiveram reunidos dos dias 05 a 17 de janeiro de 2023, para dar início a este projeto: “Pés a Caminho”. Dentre os 280 missionários e missionárias, provenientes de todos os regionais da CNBB, estavam presentes: cristãos leigos e leigas, seminaristas, padres, religiosos (as), juventude missionária e bispos.
Os primeiros dias foram dedicados ao acolhimento, formação e conhecimento tanto da nova realidade enfrentada quanto dos participantes desta experiência. Em seguida todos foram destinados aos locais de experiência e inúmeras comunidades católicas se prepararam para acolher os missionários visitantes, partindo do seminário arquidiocesano de Manaus os missionários seguiram para áreas de interior, urbanas, periféricas e ribeirinhas.
Eu, Andrey Oliveira Silva, seminarista na diocese de Mogi das Cruzes – SP, membro do conselho missionário de seminaristas, juntamente com 20 missionários fomos destinados ao município de Iranduba – AM, a um distrito chamado Cacau Pirêra, área missionária Nossa Senhora Aparecida. E desta área fui para o núcleo 4 constituído de 12 comunidades das quais 9 foram visitadas, por mim e pelos outros três missionários que foram comigo para este núcleo (Padre Emanuel, seminarista Eduardo e Sildo). Tivemos a oportunidade de estar com inúmeras famílias, priorizando os idosos e enfermos.
Destaco a acolhida que tivemos já na comunidade Sagrada Família, a qual ficamos hospedados por mais tempo, e que eu de modo particular, por enfermidade, experimentei a atenção e cuidado do povo amazonense. Um dia impossibilitado de caminhar pude fazer a experiência diferente, unicamente através da oração por aqueles que partem, ainda que impossibilitado de caminhar a missão nunca para, ela não se restringe apenas às grandes atividades missionárias, mas se fortalece e se nutre através da oração, grande modelo foi Santa Teresinha do Menino Jesus que através do seu ardor missionário, em sua enfermidade e vivendo em clausura, compreendeu que sua vocação era o amor e tornou-se a patrona dos missionários.
O domingo dia do Senhor, foi uma experiência muito marcante, neste dia poder reabrir a comunidade Nossa Senhora Aparecida do lago e celebrar a palavra, levando a Eucaristia para o revigoramento daquele povo, que há mais de três meses não se reuniam, pois as pessoas ficam ilhadas durante o período de seca. O grande testemunho de vida de um senhor que faz o transporte das pessoas pelo rio até a comunidade, que ainda que muitas vezes sozinho, não deixa de rezar aos domingos na pequena Igreja. Pude limpar a capela para o quanto antes acolher a Santa Missa, que para eles é uma realidade distante, são muitas comunidades para poucos padres. O povo recorda com grande saudade e afeto dos padres estrangeiros que viveram ali e foram grandes incentivadores para a construção dessas capelas.
Destaco ainda a visita a capela São Miguel, que no terreno ao lado há uma petição para que se torne o lixão da capital, e aquele povo encontra apenas na Igreja uma força viva para serem ouvidos, o poder público parece não ouvi-los, neste sentido a Igreja na Amazônia deve também sentir-se responsável pelas causas sociais e humanitárias. Como é possível pensar em cuidar apenas da Alma enquanto a vida padece, é preciso cuidar da pessoa por completo e desejar aquilo que o próprio Cristo desejou, que todos tivessem vida e vida em abundância, não há como cuidar do espiritual e descuidar do meio ambiente que sofre pela ambição e egoísmo daqueles que deveriam cuidar do bem comum.
Nesta comunidade ainda destaco o testemunho de uma senhora, que revigora a vocação, ao dizer que quando muitos a viam percorrer quilômetros sozinha para ir para a Igreja a encorajavam a desanimar, ela com um sorriso no rosto, apesar das enfermidades dizia que ela não estava sozinha que a Igreja jamais a deixaria só e que aquela presença de nós missionários visitantes a enchia de esperança, pois foi fruto de muitos momentos de oração sozinha na pequena capela de São Miguel. Em lágrimas ela dizia ser feliz por ser católica e que deseja morrer filha amada da Igreja, que possui todos os meios necessários para a Salvação e que sobretudo tem um carinho especial pela Virgem Maria mãe de Jesus.
É contagiante ver a alegria e a fartura na mesa deste povo, o alimento não falta, graças ao trabalho humano e a natureza que tudo concede, principalmente pelos imensos rios, tornando-se parte essencial da cultura. É possível destacar o tambaqui, jaraqui, tracajás, pirarucu e o bodó. Da terra as frutas são as mais saborosas e suculentas, não há comparação com a rambutã, cupuaçu, graviola, açaí, guaraná, ingá, bacaba, tucumã, manga, acerola, carambola, castanha, caju, taperebá e biribá. E na alimentação diária não pode faltar a macaxeira, jerimum e o milho. Enfim a riqueza do povo é uma terra fértil e um rio transbordante.
Há inúmeros desafios a serem vencidos principalmente no âmbito social, há falta de saneamento básico. A assistência médica possuí profissionais empenhados, porém com poucos recursos, o que dificulta a realização de um atendimento digno. É preciso visitar e ajudar a transformar as periferias geográficas e existenciais, o grande pavor da depressão, principalmente entre os jovens chama a atenção para um trabalho de proximidade cada vez maior entre os seres humanos e a Igreja em seu papel fundamental de ser no mundo a presença do próprio Cristo que vive sofrendo em cada irmão e irmã que sofre.
A beleza de ver famílias numerosas e que vivem o diálogo é encantador. Se têm peixe tem alegria, dinheiro pode faltar, mas o amor fraterno e o cuidado sempre se fazem presente.
Ao retornar desta semana missionária, ainda na sede da área missionária o reencontro e a partilha com os representantes de todos os núcleos visitados revelam que a missão é realmente o eixo fundamental da vida cristã e que não podemos deixar de anunciar a Boa Nova. Em um trabalho laborioso e em conjunto houve um momento de avaliação do qual são inúmeros os resultados que aos poucos vão aumentando o encantamento desta vivência tão rica no solo do coração do Brasil. Em síntese destaca-se as seis luzes que pretendem iluminar a formação nesta caminhada dos seguidores de Jesus Cristo.
* Seminarista da Diocese de Mogi das Cruzes (SP) e assessor de comunicação do COMISE nacional