de Pedro Brito Guimarães *
“Ao entrar no mundo, Cristo declara: não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste um corpo para mim” (Hb 10,5). Segundo este texto, estas foram as primeiras palavras, pronunciadas por Jesus, aqui na terra. Ao mesmo tempo em que o seu Corpo estava sendo formado, no ventre de Maria, era doado à humanidade, faminta de Deus. Jesus Cristo tem um Corpo doado, para doar, para substituir os antigos sacrifícios imperfeitos. Seu Corpo é sua Pessoa, sua Identidade, sua Autoridade e sua Missão. Sendo estas as suas primeiras palavras (a sua Carteira de Identidade), é igualmente a sua primeira ação aqui na terra: doar o seu Corpo para a vida do mundo. Este mesmo Corpo foi atravessado pela lança, ferido de amor por nós (Jo 19,35). Nesta mesma perspectiva, Jesus celebrou a última ceia, com seu Corpo doado e seu Sangue derramado para que possamos dele comer e ter nele a vida que precisamos para viver.
Este é o sentido mais genuíno e mais primigênio da Festa de Corpus Christi: Cristo nos dá o seu Corpo para ser celebrado comunitariamente, comungado pessoalmente e adorado publicamente. Seria ingratidão, estupidez e insanidade da nossa parte não celebrar, não comungar, não adorar e não se encantar com tamanha dádiva. Somos o Corpo de Cristo, a sua Igreja. Assim como precisamos de repouso e de alimento, Jesus é, ao mesmo tempo, nosso descanso (Mt 11,28-30) e nosso alimento (Jo 6,51-58). Nas crises porque passa o Brasil, alguns questionam: “hoje é dia de trabalho ou de descanso? É feriado, dia de ponto facultativo ou é dia santo de guarda? Não é mais produtivo trabalhar do que rezar?” Lembrem-se que existem dois pólos, em constante dialética, na existência cristã: o pólo do compromisso, do trabalho, da fadiga e do sofrimento, e o pólo do descanso, da oração, da contemplação e do louvor: “Sem trabalho, compromisso e ação, a vida se torna fuga e evasão. Mas sem oração, louvor e esperança, a vida se torna escravidão e a fadiga sem razão” (CNBB, Doc. 40, Igreja, Comunhão e Missão, número 106). Ainda mais: “nos domingos e nos outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a obrigação de participar da missa; além disso, devem abster-se das atividades e negócios que impeçam o culto a ser prestado a Deus, a alegria própria do Dia do Senhor e o devido descanso do corpo e da alma” (CDC, can. 1247).
Portanto, que estilos e que atitudes cristãs nascem do Corpo de Cristo celebrado, comungado e adorado? Para responder a esta pergunta, recorremos ao papa Francisco: a primeira atitude da identidade cristã é caminhar. Não se pode pensar em um cristão parado. Um cristão que permanece parado está doente na sua identidade cristã. A segunda atitude da identidade cristã é permanecer sempre cordeiro. Com a astúcia cristã, mas cordeiro sempre. O cristão é um cordeiro e deve conservar esta identidade, vencendo a tentação de tornar-se lobo. A tentação, às vezes, nos faz pensar: mas isso é difícil; estes lobos são espertos! Eu devo ser mais esperto que eles. A terceira atitude da identidade cristã é a alegria. O cristão é pessoa que exulta, porque conhece o Senhor. E a alegria de Jesus está sempre presente, mesmo nas dificuldades da vida. Não faz favor nem a Deus nem à Igreja o cristão que vive triste e se lamentando. E a quarta atitude da identidade cristã é ser sal e luz. Qual é a pilha para que o cristão ilumine? A oração do coração, de adoração ao Pai, de louvor à Trindade, de agradecimento a Jesus e de pedido de algumas coisas ao Senhor. É preciso sempre se defender da tentação de iluminar a si mesmo. É um pouco como a espiritualidade do espelho: ilumino a mim mesmo. Sejamos sempre luz para iluminar e sal para dar sabor e conservar”. Sem corpos não existimos fisicamente aqui na terra. Que o Corpo de Cristo descanse nossos corpos e nossas mentes. E que Cristo hoje nos encontre descansados para que faça em nós sua morada. Estas são as atitudes de vida do cristão que vive da Eucaristia.
* Dom Pedro Brito Guimarães, arcebispo de Palmas (TO).