A missão exige desprendimento e generosidade. Foi o que mostraram os seminaristas do Seminário de teologia Sagrado Coração de Jesus, em Teresina, no Piauí, ao realizar um mês de missão no coração da Amazônia. A experiência missionária de férias levou 12 seminaristas e dois padres formadores para a prelazia de Borba (AM) onde permaneceram entre os dias 30 de dezembro e 30 de janeiro. A iniciativa é resultado de um projeto de cooperação missionária entre a Igreja no Piauí e a Igreja na Amazônia. O seminarista Zorenilton Tavares Reis relata como foi a experiência.
A tão sonhada missão no coração da Amazônia aconteceu. Este foi um sonho que surgiu há cinco anos quando no meu segundo ano de formação, ao folhar uma revista missionária me deparei com o testemunho de um seminarista relatando sua experiência missionária na região da Amazônia. Desde então, comecei a pesquisar onde e como poderia participar de uma experiência semelhante. Em 2015 tive a oportunidade de participar da 3ª Experiência Missionário realizada na arquidiocese de Porto Velho (RO), uma experiência espetacular. Na ocasião, fomos enviados por dom Marcos Tavoni, bispo da diocese de Bom Jesus do Gurguéia, a minha diocese, e acolhidos por dom Esmeraldo Farias, então arcebispo de Porto Velho. Éramos mais de 100 “missionaristas” vindos de várias regiões do Brasil. Ali o Espírito Santo agiu e continuou a agir!
Em 2017 por inspiração do mesmo Espírito surgiu o Projeto missionário “no coração da Amazônia”, em que levaria os seminaristas do Regional Nordeste 4 (Piauí) por um mês na Prelazia de Borba (AM). A missão foi organizada pelo seminário Sagrado Coração de Jesus, de Teresina (PI), pela prelazia de Borba e pelos Conselhos Missionários de Seminaristas (Comises) dos regionais Nordeste 4 e Norte 1.
Foi um mês de muitas aventuras missionárias. Posso afirmar com certeza que foram os dias de férias mais proveitosos que já tive. Tivemos a oportunidade de conhecer de perto a cultura, os biomas, a religiosidade e, sobretudo as famílias. Foram milhares de “guias missionários” que nos acompanharam durante a missão: crianças, jovens, adultos, idosos… Todos entraram nessa “onda missionária” conosco. Conduziram-nos por ar, terra e água. Fizemos uma profunda experiência familiar de encontro com Cristo!
Cada uma das quatro semanas foi marcada por uma palavra chave: encontro, caminho, amizade e envio. No caminho fomos desapegando das coisas matérias, deixando para trás aquilo que nos atrapalharia na missão inclusive atitudes que nos pareciam virtudes quando na verdade eram empecilhos. Fomos ao encontro de milhares de pessoas que nos marcaram profundamente e com elas fizemos boas amizades.
As marcas do retorno
Iniciamos nossa retirada missionária do coração da Amazônia ao coração do Piauí. Andamos nas diversas velocidades, da mais rápida à mais lenta, do ritmo do ar à velocidade das águas. A harmonia de envios, ritmos, velocidades, caminhos, amizades… nos proporcionou uma espetacular experiência do reencontro com Jesus no Coração da Amazônia por meio de muitos encontros que tivemos por aqui. De casa em casa, de porta em porta, de pessoa em pessoa fomos ao encontro de quase todos que nos foram confiados. Nem mesmo a distância foi empecilho. As águas nos proporcionaram chegar desde os mais próximos aos mais distantes. Chuva por lá é sinal de que o missionário pode chegar às aldeias mais longínquas. A canoa, a rabeta, a lancha, o barco foram nossos principais meios de transporte.
Em cada cidade, distrito, vila, comunidade ribeirinha, aldeia, presídio, família, campos e quadras de futebol, uma nova forma calorosa de acolher, de se apresentar, de alimentar, de rezar, de andar, de partilhar, de falar, de correr. Em todas elas lá estava ele a nos esperar, Jesus. No sorriso das crianças, no tímido jeito de ser da juventude no primeiro contato, na afetuosa acolhida das família, nas histórias dos mais experientes, nas danças culturais da região, na convivência “engraçada” e acolhedora com os padres da prelazia, no feliz caminho vocacional dos seminaristas da Amazônia, na presença humilde e amiga do bispo, na acolhida das famílias, na doação e disponibilidade de pessoas que se colocaram à disposição para fazer as nossas refeições e nos acompanhar nas visitas. Em tudo isso percebemos o quanto a Igreja na Amazônia é comunhão e partilha. É por excelência missionária!
O missionário que parte em missão deve compreender bem o sentido da palavra ‘pertença’, saber que pertence a uma Igreja particular da qual e pela qual foi enviado, mas, sobretudo saber estar, ficar, mesmo que seja somente uma semana, quinze dias, um mês. Saber entrar na casa das pessoas e fazer parte da família mesmo que seja por alguns minutos. Saber entrar na cultura desse povo tão rico, saber que na missão tudo é oração e com ela o missionário sobrevive.
Nesse mês de uma riqueza cultural e espiritual esplêndida, estivemos sobre a ação e providência do Espírito Santo. Em nenhum momento nos sentimos desamparados, pois sem dúvida o Espírito Santo é o protagonista da missão.
Um dos elementos fundamentais que buscamos privilegiar em nossas “andanças”, foi o verbo “escutar”. Tivemos a consciência de que antes mesmo do missionário chegar em missão, Deus já estava agindo na vida de cada um. A Igreja de Cristo nasce missionária e jamais deverá perder de vista esta dimensão.
A oportunidade de entrar na casa de muitas famílias significou para mim o adentrar na vida de tantas pessoas. O exercício da escuta com a atenção a história de vida de cada pessoa possibilitou não somente admiração pela força para enfrentar as dificuldades, mas também a descoberta da ação de Deus na vida de cada um e a luz para a minha vida vocacional. O testemunho dos animadores (as) das comunidades e de outras pessoas deixou grande marca na vida de cada um de nós.
Com o olhar atento percebemos os grandes desafios e situações que aquele povo vive e que muitas vezes clama por socorro. Recordo-me, por exemplo, das riquezas naturais como a silvinita e o petróleo que para serem extraídos milhares de vidas deverão ser destruídas, inclusive humanas. O agravante é ainda maior quando se tem conhecimento de que boa parte dessas riquezas naturais está em reservas indígenas, e se torna mais queixosa ao saber que por vezes os políticos “lavam as mãos” frente a essa situação. Aliás, são eles os principais incentivadores. Diante dessa situação ouvimos várias vezes a voz profética de pessoas afirmando que a Igreja católica juntamente com outras entidades estão unidas para levantar a bandeira em defesa da vida.
Percebemos ainda, a natureza com sua fauna e flora nos presenteando com seu espetáculo dia e noite; convivemos com a porção da Igreja situada naquela região; conhecemos comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas; notamos a influência dos migrantes, e dos nativos naquele chão; percebemos carismas diferentes, formas diferentes de viver a fé, ou ausência de qualquer forma de viver a fé. Isso foi realmente encantador, e ao mesmo tempo se traduziu em um mês com sentido de comunidade tão forte que ficou o desejo de retornar na próxima missão em 2019.
Manifesto minha eterna gratidão a Deus pela companhia missionária. Aos seminaristas e padres formadores do nosso Regional, aos padres, seminaristas, jovens vocacionados, líderes de comunidade e a administradora paroquial da prelazia de Borba minha gratidão pelo encontro, pelo caminho, pela amizade e pelo envio que resultou em um sentido de convivência eclesial tão profundo e orante. Ao meu bispo, pelo incentivo e envio, e por ser missionário conosco, ao dom Elói Roggia e dom Zenildo Luiz Pereira pela acolhida missionária, eterna gratidão.
Na certeza de que missão é sair e, sobretudo sair de si mesmo retornei ao Piauí para dar continuidade à missão. Levo a Amazônia no coração, sobretudo os amazonenses que fizeram e estão fazendo parte de minha, de nossa história. Que abriram as suas portas para acolher pessoas “desconhecidas”. Com grande alegria lhes afirmo que estamos de portas abertas para acolhê-los no Piauí em janeiro de 2018. Serão bem-vindos entre nós!
Deus proteja a todos que direto ou indiretamente estiveram em missão conosco. Missionários de todo o mundo que nos acompanharam pelos meios de comunicação, mas, sobretudo pela oração, a vocês, meu cordial abraço.
Zorenilton Tavares Reis é seminarista no Seminário de teologia Sagrado Coração de Jesus, em Teresina (PI)