Irmã Ângela Barbosa, da congregação das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, Província de Recife (PE), está há 14 anos na República dos Camarões na África subsaariana. A missionária brasileira relata sua experiência na missão além-fronteiras.
Antes de partir, no processo de preparação imediata, tive a graça frequentar o curso para missionários e missionárias enviados para a Missão Ad gentes, no Centro Cultural Missionário (CCM) em Brasília (DF). O conteúdo e a convivência no curso foi muito útil para a compreensão das realidades que iria enfrentar e dificuldades pelas quais passaria.
Mesmo sendo um sonho ir para a missão além-fronteiras, tinha receio de não ser acolhida pelo povo. Mas a coragem de arriscar e a confiança em Deus, que nos precede na missão, me impulsionaram a seguir em frente.
Chegando em terras estrangeiras, mais do que levar minha experiência, a primeira coisa que percebi era que deveria cultivar a humildade e a disposição de aprender com o povo e me deixar formar e evangelizar pelos pobres. E a partir desta experiência de abandono, aconteceu o que eu não esperava, o próprio povo me acolheu como filha da terra e começou a me contar sobre os seus costumes e tradições. Conhecendo melhor as pessoas se pode testemunhar melhor a libertação que o Evangelho nos traz.
O meu primeiro trabalho foi com as crianças com deficiência que não são bem aceitas pelo povo. Elas podem ser abandonadas.
Na verdade, a causa maior das crianças com deficiências vinha do fato de que a saúde pública não cumpria a sua missão. O dinheiro é colocado acima da vida. Muitas mulheres grávidas precisavam de uma cirurgia, mas como eram pobres, a família demorava a obter o dinheiro necessário para a intervenção. Quando os recursos chegavam, a criança já estava morta ou apresentando sofrimento fetal.
O meu trabalho consistia em mostrar para a família que aquela criança era uma pessoa humana como todas as outras, que tinha sentimentos e merecia ser respeitada, ter dignidade. Com muitas dificuldades nós conseguimos fazer a integração de algumas crianças nas famílias. O desafio era acompanhar essas famílias para que a família alargada (tios, tias, avós…) não as desencorajassem, já que muitas vezes, por causa da poligamia, eram elas que decidiam sobre as crianças deficientes.
Uma dessas crianças falecida há dois anos muito me edificou. Chamava-se Jordan e era uma criança hipotônica. Com três anos ele era incapaz de ficar sentado, de levantar um de seus braços, caía sem poder se mexer porque não tinha força nos músculos. Dona Brigitte, sua mãe era pressionada pela família e outras esposas de seu marido e nos pediu ajuda.
Jordan foi acolhido durante o dia no Centro para Crianças Especiais onde aprendeu a falar corretamente, ler e escrever, e a se equilibrar quando devia ficar sentado. A mãe ficou muito contente com o progresso do seu filho e a pedido dele, começou a ir à missa dominical. Jordan ficava contente de encontrar suas irmãs na missa. Um dia ele me perguntou o que o padre tinha me dado para comer. Respondi “o Corpo de Jesus”. Ele me perguntou ainda, o por que a sua mãe não recebia também. Eu lhe respondi que para receber o Corpo de Jesus era preciso ser cristão. Ele me disse ao ouvido: eu vou ser cristão e vou receber o Corpo de Jesus antes de eu morrer. Tinha apenas 6 anos. Jordan insistiu tanto com sua mãe para ser batizado e se tornar cristão que acabou convencendo-a para que ela também participasse da catequese. Ele foi batizado e passou para a catequese no grupo da Eucaristia. No dia que comungou pela primeira vez, após a missa o padre lhe perguntou: “E aí Jordan, você está contente?” Ele respondeu: “Eu agora tenho Jesus aqui comigo e ele vai morar comigo lá em casa. Jordan ia à missa todos os dias com sua mãe até que seis meses após sua Primeira Comunhão ele caiu gravemente doente ficando internado durante dois dias. Neste segundo dia ele pediu a comunhão. Após ter recebido Jesus, sorrindo e em paz, faleceu com 14 anos incompletos.
Com esta pequena experiência da missão, sem menos prezar a missão aqui no Brasil, quero dizer àqueles que podem e desejam, que vale à pena partir ad gentes. Neste mundo ainda há muitos que não escutaram a Palavra de Deus. E eles estão à espera. E aos que se sentem chamados, gostaria de dizer: coragem! Não responder a este chamado é viver incompleto. Respondê-lo é edificar Cristo vivo em nós. Sou imensamente feliz e realizada na vocação missionária de testemunhar com a minha própria vida a ternura de Deus para com os mais pequeninos, os pobres.
* Irmã Ângela Antônia Barbosa, FC, missionária na República dos Camarões, África.