Beira Linha é um bairro de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Antigamente por ali passava uma estrada de ferro, mas ninguém lembra mais do último trem. O certo é que, aos poucos começaram a chegar pessoas do interior e os trilhos deram lugar às casas que tomaram conta do local. Chegou o asfalto e com ele a droga, a violência e os conflitos entre facções rivais de jovens, e ainda a morte e a discriminação.
Subindo o morro há uma outra rua, com tamanho insignificante. Não é como a Beira Linha que perpassa vários bairros. A rua de cima tem casas bonitas, jardim na frente, quintal, muros altos e câmaras de vigilância. Na rua de baixo, ficam crianças brincando, há churrasquinhos na brasa e o som alto invade casas e a igreja.
Na rua de cima, uma voz que me diz: “é melhor não descer lá em baixo!” A rua de baixo e a rua de cima estão divididas pelo medo e o preconceito.
Duas mulheres, com o sotaque estrangeiro e o Evangelho no coração, chegaram em um dia de verão de 2016 e foram morar em uma casa alugada na rua de cima. Uma noite desceram a ladeira e encontraram uma comunidade celebrando a própria fé. Era dia de missa. A partir daquela noite, desceram mais vezes e começaram a partilhar a vida e a fé com as mulheres da rua de baixo. Quando subiam para a rua de cima, contavam a vida e a esperança daquele povo. Aos poucos, os moradores da rua de cima começaram a fazer amizade com as vizinhas, estas chamaram suas amigas, e ao redor da Palavra redescobriram o doce sabor de costurar a vida com a Bíblia. As duas missionárias começaram a subir e a descer a ladeira tecendo uma ponte invisível entre as duas realidades. Aos poucos, o muro do medo e do preconceito foi caindo e as mulheres da rua de cima começaram a descer a ladeira, percorrendo a ponte invisível construída com os fios da confiança, da paciência e da partilha.
A comunidade Santo Antônio é pequena, formada por um punhado de mulheres e um jovem casal de namorados. Ali todas perderam algo ou alguém precioso: filhos, maridos, casa, trabalho, a possibilidade de estudar. Conheceram o significado da exploração e da discriminação, experimentaram dor e preconceito, mas souberam reagir e, na Beira Linha, acharam um novo alento. Mulheres lutadoras, gravidas de esperança. Comunidade pequena como um grão de mostarda, comunidade fermento, energia vital. Comunidade esperança, que sabe viver o perdão e a festa.
Juntaram-se às duas missionárias, mais duas postulantes (jovens em formação). Com elas, começaram a fazer parte do círculo de vida algumas crianças e adolescentes, dando início a um grupinho de Infância e Adolescência Missionária (IAM). A proposta nasceu após um tempo de aproximação, procurando compreender a realidade à luz do Evangelho e deixando-se envolver e questionar acerca da complexidade em volta. Uma das preocupações maiores que algumas famílias e pessoas da comunidade expressaram relacionava-se às crianças e adolescentes em situação de risco. Começou-se, então, a convidar as crianças e os adolescentes para brincarem no pátio da Comunidade. Percebendo uma resposta positiva começaram encontros com a metodologia da IAM e a espiritualidade missionária universal. Assumindo seu próprio protagonismo, as crianças e adolescentes, aos poucos, começaram a coordenar as atividades do grupo, refletir sobre a própria realidade, organizar momentos de confraternização com as famílias, animar algumas celebrações da comunidade. Agora, há crianças e adolescentes atuando como fermento missionário na Beira Linha, superando discriminação e preconceito, abrindo seus horizontes a uma cidadania planetária.
Algumas mães e membros da comunidade, reconhecendo a importância da proposta, logo começaram a contribuir: disponibilização de locais para realizar os encontros, oferta de lanche, incentivos à participação das crianças e dos adolescentes, dando confiança e apoio. O projeto tornou-se, então, uma experiência de construção coletiva, onde crianças, adolescentes e adultos são parte ativa e criativa da ação evangelizadora. Um processo demorado, em contínua construção, aberto ao inesperado e improvável, onde o desafio se torna oportunidade.
Missão é aprender a habitar a periferia. Ajudar a superar a ruptura das relações recriando e alimentando laços humanos, com a marca da ternura de Deus. É aceitar um caminho não linear, mas como na dança: avançar, voltar atrás, dar voltas, avançar de novo. É tecer a vida num ritmo vital, contrário ao imposto pela sociedade do desempenho, que tudo corrói. É mergulhar no silêncio da nossa casa interior até nos encontrarmos com a presença divina, capaz de transformar o nosso olhar disperso e superficial em um olhar contemplativo, aberto às necessidades humanas e aos grandes desafios da história.
Numa sociedade que tudo consome, tempo, relações, energias, na periferia há ainda lugar para a festa, tempo pleno para a celebração da vida onde os humanos dançam com Deus.
* Elisabetta Pompei Maria de Los Angeles Funes Rodriguez, Irmãs Missionárias Combonianas. Publicado no SIM n.3 jul-set. 2017.