Em 26 de maio 2020, Roma abriu o caminho para a beatificação de Pauline Jaricot (1799-1862), apóstola do catolicismo social do século XIX. O historiador francês, Jean-Dominique Durand, fala dessa mulher, iniciadora de uma obra que teve um desfecho surpreendente.
O que o anúncio da beatificação de Pauline Jaricot representa para a diocese de Lyon?
É a realização de uma esperança um tanto frustrada: a diocese espera, há muito tempo, que o processo dela possa ser bem-sucedido. Tudo demorou bastante tempo, porque para a beatificação é necessário um milagre! Isso, finalmente, se tornou realidade, em 2012 (a pequena Mayline Tran, então com 3 anos de idade e prestes a morrer de asfixia, experimentou uma recuperação total, após uma novena pela intercessão de Pauline Jaricot: nota do editor). Finalmente, está chegando o tão esperado dia. São excelentes as notícias para uma diocese que sofreu muito nos últimos anos. Deve ser um grande prazer para o cardeal Barbarin, que se apegou muito a essa figura e trabalhou para torná-la conhecida. Mas é, acima de tudo, um reconhecimento por parte da Igreja universal, da fecundidade da vida de Pauline Jaricot!
A Igreja Católica destaca primeiro sua visão missionária ou sua fibra social?
Pauline Jaricot é conhecida por ter fundado a Obra de Propagação da Fé, em 1822, para apoiar a missão da Igreja. Ela havia inventado o sistema “centavo” para as pessoas doarem dinheiro, cujo princípio é simples: cada doador dá uma pequena quantia de dinheiro e se compromete a convencer outros dez doadores a fazer o mesmo, e assim por diante. O movimento assumiu escala internacional, até se transformar em Pontifícias Obras Missionárias, existentes e atuantes no mundo inteiro. Pauline Jaricot cria também o Rosário Vivo. Ela convida os cristãos a rezar e recitar o Rosário, em grupos, para apoiar a missão da Igreja.
Seu compromisso social é bastante subestimado, na medida em que seu projeto de criar uma fábrica cristã falhou. Mas ela é, de fato, uma precursora do catolicismo social que foi marcado e influenciado pela revolução industrial e pela miséria dos trabalhadores.
Você pode situar a vida de Pauline Jaricot no contexto social do século XIX?
Nascida em Lyon (França), batizada na igreja de Saint-Nizier, no coração de sua cidade natal, Pauline Jaricot cresceu ao mesmo tempo em que a indústria da seda que enriquecia a capital da antiga Gália. Os trabalhadores, que ocupam a colina Croix Rousse, trabalhavam em casa, em condições extremamente severas. As casas desses antigos trabalhadores eram facilmente reconhecíveis por seus tetos altos, para permitir a instalação das máquinas de tecer, muito volumosas. A família do tecelão morava em meio ao barulho constante de máquinas e de pobreza. Essa industrialização deu origem a uma nova classe social, desprezada e completamente aprisionada na tecnologia, que rompeu com a imagem da pobreza do Antigo Regime: o proletariado urbano.
Esse fenômeno era novo e levará às revoltas desses trabalhadores, em novembro de 1831 e na primavera de 1834. Eram revoltas causadas pela fome. Eles protestaram contra a redução do valor dos salários e tiveram como slogan: “Viva enquanto trabalha ou morra enquanto luta”. Pauline Jaricot era apaixonada pela questão social. A princípio, podemos falar sobre caridade, no sentido de fazer caridade e dar esmola. Posteriormente, ela desenvolveu uma reflexão sobre a miséria da classe trabalhadora e os meios para remediá-la, através de salários decentes que permitiriam a subsistência e recuperação da dignidade do trabalhador.
Como descrever sua ação em favor dos trabalhadores?
Essa mulher leiga, que permaneceu solteira, da classe média alta, sacrificou sua herança para proporcionar recursos ao povo trabalhador. Durante as insurgências dos trabalhadores, escandalizada pela intransigência e egoísmo dos patrões, ela se mostrou muito próxima dos insurgentes, denunciando “a ganância dos comerciantes que se consideram fortes o suficiente para não ter medo do descontentamento de seus trabalhadores.”
Ela até se colocou entre os soldados e os insurgentes, durante os confrontos de novembro de 1831, ficando próxima dos feridos e dos moribundos, dia e noite. Os rebeldes ficaram até chateados ao ver uma “burguesa” ao seu lado!
Muito antes da encíclica social Rerum Novarum, de Leão XIII, em 1891, que denunciava a miséria “imerecida” dos trabalhadores, Pauline exigia não caridade, mas justiça. Seu objetivo era tornar o trabalhador um homem digno. Assim, como um pai que quer garantir uma vida digna para sua família com seu salário. Ela escreveu: “Devemos nos esforçar para melhorar a condição de vida da classe trabalhadora, devemos restaurar ao trabalhador sua dignidade enquanto ser humano, libertando-o da escravidão do trabalho opressor, sua dignidade de pai, fazendo-o redescobrir os encantos da família, sua dignidade de cristão, proporcionando-lhe a esperança que vem da religião”. Seu pensamento era realmente moderno, para aquela época.
Infelizmente, o projeto de Pauline Jaricot fracassou
Pauline tinha o plano de criar uma fábrica cristã, que seria um modelo para os outros: com salubridade, salários decentes, garantia de descanso dominical. Para isso, ela comprou uma fábrica de alto-forno, perto de Apt, em Vaucluse, na qual investiu seus recursos. Infelizmente, a gerência da fábrica foi confiada a pessoas desonestas, aos bandidos que trapacearam e roubaram Pauline Jaricot. Ela morreu arruinada.
Mas as suas intuições tiveram um grande impacto. Quando Rerum Novarum é difundido em Lyon, o texto de Leão XIII encontra o terreno já preparado. Em 1892, o jornalista católico, Marius Gonin, cria lá a Coluna Social, para defender uma nova organização da sociedade, mais respeitosa para com as pessoas. Depois, em 1904, surgem as Semanas Sociais da França. Até hoje, graças a figuras como Bernard Devert, o fundador da Habitat et Humanisme, associa-se o catolicismo social de Lyon à pessoa de Pauline Jaricot.
Fonte: http://www.lavie.fr/religion/catholicisme/pauline-jaricot-reclamait-non-pas-la-charite-mais-la-justice-02-06-2020-106624_16.php