Manhã de domingo, 24 de setembro de 2017. Debaixo de muita chuva mesclada com um sol ardente, a rodovia entre Ilhéus e Una, no sul da Bahia, é tomada por uma multidão: o povo Tupinambá de Olivença realiza a XVII Caminhada dos Mártires. Em caminhada de aproximadamente sete quilômetros, da Vila de Olivença até a Praia do Cururupe, em Ilhéus, cerca de 2.200 pessoas participaram da edição, que faz memória à Batalha dos Nadadores, chacina comandada pelo governador-geral Mem de Sá, em 1559, contra os Tupinambá.
Segundo relato de Sá, quando dispostos ao longo da praia, “tomavam os corpos [dos indígenas assassinados] perto de uma légua” (apud João da Silva Campos. 2006 [1947]. Crônica da capitania de São Jorge dos Ilhéus. 3 ed. Ilhéus, Editus, p. 186). A caminhada também faz memória da saga do caboclo Marcellino José Alves e de seus companheiros, que, nas décadas de 1920 e 1930, lutaram contra a penetração dos não-índios no território Tupinambá; em especial resistindo contra a construção da ponte do Cururupe, que possibilitaria o livre trânsito dos indígenas no local.
Este ano a caminhada foi precedida por dois eventos importantes para os povos indígenas do sul da Bahia: o 1º Acampamento Terra Livre (ATL) Sul da Bahia, nos dias 21 e 22, realizado ao lado da Catedral São Sebastião, no Centro de Ilhéus, e a Assembleia dos Povos, no dia 23, na Aldeia Acuípe de Baixo, divisa dos municípios de Una e Ilhéus.
Somaram-se ao povo Tupinambá lideranças de outros povos presentes nas atividades e uma grande diversidade de representantes de movimentos sociais, estudantes, pastorais e organismos da Igreja Católica, sindicatos, estudantes, entidades da sociedade civil, representantes governamentais e não governamentais. Não só da região, mas de todo o Brasil e até do exterior.
A caminhada dos Mártires Tupinambá é realizada desde o ano de 2000, quando a Diocese de Ilhéus propôs um gesto concreto da Campanha da Fraternidade daquele ano, que tinha como tema: “Dignidade Humana e Paz, Novo Milênio sem exclusão!” e tinha entre seus objetivos gerar uma proposta de um modelo de vida em que valores morais e éticos exaltasse a dignidade da pessoa humana, evitassem as exclusões que marginalizavam, criar condições de paz, promover a solidariedade e a partilha.
Também tinha como objetivo a promoção do diálogo, o respeito à liberdade de consciência e de religião, a defesa do meio ambiente, a busca da verdade que liberta e de soluções não violentas para os conflitos sociais, a fim de que se criem condições de sobrevivência, inclusive para as futuras gerações.
Passados 17 anos, percebemos que a Caminhada mantém os mesmos propósitos e desafios daquela Campanha da Fraternidade. Na fala e manifestações de todas as lideranças e dos aliados e parceiros presentes, os objetivos estabelecidos na CF 2000 ainda se fazem necessários e urgentes.
Já caminhamos há 17 anos neste novo Milênio, mas as perseguições, o preconceito, a exclusão, a violência, as agressões ambientais, continuam atingindo as comunidades indígenas no sul da Bahia. Ainda continuamos buscando a Dignidade e a Paz e luta pela não exclusão dos Tupinambá.
Ao final do percurso, na praia do Cururupe, após intenso ritual, houve a fala dos anciãos, caciques e aliados. Em todas elas, se abordou a necessidade da urgência na demarcação do território Tupinambá. A morosidade do procedimento, por parte do governo federal e suas instituições, tem acarretado um intenso e orquestrado processo de criminalização das lideranças e uma série de violência e violações de direitos contra este povo. Por isso foi muito forte as palavras de ordem ao final do Porancim: DEMARCAÇÃO JÁ! DEMRACAÇÃO JÁ! E FORA TEMER!
Contra a tese do Marco Temporal, e rebatendo todos os argumentos fajutos dos inimigos dos povos indígenas, a faixa de abertura da Caminhada, que também foi elemento de reflexão do ATL e da Assembleia, resumia o pensamento e a determinação dos povos ali presentes: “A Nossa História não começa em 1988 – Não ao Marco Temporal”. E o tema da Caminhada: “Nenhum Direitos a menos!”.
Fonte: Cimi | Foto: Haroldo Heleno/Cimi Leste