Por Dom Pedro Brito Guimarães*
No dia 29 de agosto celebramos a memória litúrgica do Martírio de São João Batista. Naquela ocasião, estando em Belém, por conta do Encontro das Igrejas da Amazônia, em preparação para o Sínodo, tive a graça de presidir a Eucaristia. O Evangelho daquela celebração descrevia, com riqueza de detalhes, o banquete oferecido por Herodes, aos seus dignitários, que culminou com a decapitação de João Batista (Mc 6,17-29), chamado livremente de “banquete da morte”. Imediatamente a este banquete, quase como um presságio, Marcos inseriu a multiplicação dos pães e dos peixes (Mc 6,30-44), chamado também livremente de “banquete da vida”. Resumidamente e, de memória, eu disse naquela celebração que a decapitação de João Batista era a “parábola do Sínodo para a Pan-Amazônia”. Dançando e fazendo corte para o mundo, muitos hoje querem numa bandeja, como quis Herodíades, a cabeça do papa Francisco, as nossas cabeças, enquanto padres sinodais, e as de muitos que apoiam o referido Sínodo. Quem está fazendo hoje os papeis de Herodíades, de Herodes, de sua filha e de seus dignitários?
Na minha vida houve tempo em que eu pensava mais a natureza na ótica do usufruto: desmatar, construir, morar, plantar, colher, comer, beber… Hoje a penso exatamente o contrário, mais na ótica da gratuidade: cuidar, proteger, conviver, rezar e contemplar as belezas e as grandezas das criaturas e do Criador. O cuidado e a defesa do meio-ambiente devem estar na pauta de qualquer pessoa que vive no planeta. Hoje não existe um desafio maior, que nos une mais ou que nos desune mais do que o problema ecológico. Quaisquer Instituições, sejam elas nas esferas política, social, econômica, científica, jurídica, cultural e eclesial, estarão fadadas a não sobreviver e produzir frutos, sem uma capilar e decidida consciência ecológica.
Gosto muito da afirmação, segunda a qual “na Amazônia a vida corre pelos rios”. Infelizmente, para muitos, as únicas academias e cátedras de ensinamentos são as redes (anti-)sociais e não as redes eclesiais. Mais do que um apocalipse ou um eclipse para a fé, o Sínodo será um verdadeiro pentecostes, uma primavera do Espírito para a Igreja, a ecologia e a humanidade. Diz o papa Francisco: “também o Sínodo dos Bispos deve tornar-se cada vez mais um instrumento privilegiado de escuta do povo de Deus: para os Padres sinodais, pedimos, do Espírito Santo, antes de mais nada, o dom da escuta: escuta de Deus, até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo, até respirar nele a vontade de Deus que nos chama. Por isso, embora na sua composição se configure como um organismo essencialmente episcopal, o Sínodo não vive separado do resto dos fiéis. Pelo contrário, é um instrumento adequado para dar voz a todo o povo de Deus precisamente por meio dos Bispos, constituídos por Deus autênticos guardiões, intérpretes e testemunhas da fé de toda a Igreja, mostrando-se de Assembleia em Assembleia uma expressão eloquente da sinodalidade como dimensão constitutiva da Igreja” (Constituição Apostólica Episcopalis Communio, sobre o Sínodo dos Bispos 6).
Quando me deparo com as ferrenhas críticas que alguns fazem a nós, padres sinodais, sem os devidos cuidados de separar o joio do trigo, como quer Jesus (Mt 13,24-30), me recordo das sábias e oportunas palavras do padre Vitor Feller: “toda vez que perdemos de vista a grandeza do mistério da comunhão da Igreja para ficar preso à mesquinhez de uma pessoa, à fragilidade de um determinado grupo, ao erro de um determinado período histórico, perdemos a capacidade de contemplar o infinito mistério de Deus agindo em nós. Deus é infinitamente maior do que nosso pecado. Entender o mistério da comunhão da Igreja é não amesquinhá-la, não perder tempo com fofocas e picuinhas que ameaçam fechar a comunidade em si mesma e isolar os grupos”. Com isto, estamos reproduzindo na Igreja o que o mundo tem de pior.
O “não te é permitido”, dito por João Batista, a Herodes, hoje é dito a todos nós. Não nos é permitido errar, mentir, trair à fé e nem antecipar condenações a quem, por graça de Deus, foi chamado para esta grande e nova missão. A palavra da Igreja é sempre uma palavra verdadeira. O primeiro e o último passos nos caminhos do Sínodo são sempre a Verdade. Portanto, vou ao Sínodo muito sereno, tranquilo, confiante e de cabeça erguida. Não irei para ser melhor do que ninguém; para combater e ferir a ninguém; para querer e fazer mal a ninguém; e nem tão pouco para cometer heresia nenhuma. Não irei ao Sínodo por nenhuma ideologia. Irei, sim, pelo Evangelho da vida plena para todos; para cumprir a minha vocação e missão de solicitude por toda a Igreja; para viver a sinodalidade da Igreja e juntos buscarmos novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. Isto eu prometo! Mais do que isto, não posso prometer.
* Arcebispo de Palmas (TO)