Pauline Marie Jaricot, nascida em Lyon em 22 de julho de 1799, fundou a obra da Propagação da Fé em 3 de maio de 1822. Ela é a última dos sete filhos de Antoine Jaricot e Jeanne Lattier. Seus pais, pertencentes à classe média da França, possuíam uma fábrica de seda no centro da cidade e gozavam de uma boa situação financeira.
Contexto social e político: Final da Revolução Francesa e início da Revolução Industrial
Para conhecer melhor a vocação missionária de Pauline, devemos considerar, inicialmente, que ela nasceu bem no final da Revolução Francesa e início da Revolução Industrial, época de problemas sociais e econômicos de efeitos devastadores para os trabalhadores, oriundos de um capitalismo descontrolado. Em alguns lugares, as fábricas instituíram uma jornada de trabalho de 17 horas e os salários tão escassos que, muitas vezes, eram insuficientes para alimentar uma família.
Quando jovem, Pauline testemunhou uma rebelião de trabalhadores que deixou muitos mortos e feridos pelas ruas de Lyon. Nesse contexto de revoluções e secularização da sociedade francesa que viveu Pauline. Como ela respondeu a essa situação? Sua vocação missionária se desdobra em três etapas:
Primeira etapa: Acidente, sofrimento físico, morte de sua mãe e conversão
Embora tenha crescido em uma família católica tradicional, Pauline quando jovem não teve interesse particular pela Igreja. Sua atenção estava voltada para o status social e eventos sociais. Sobre esse estilo de vida mundano, mais tarde confessaria: “Vesti-me com toda a minha elegância, julgando-me digna da admiração universal e enfeitando-me com a presunção de um pavão. A autoestima entrou com força no meu coração.”
Ao completar 16 anos, Pauline sofreu uma forte queda e quebrou a perna. Sua família achou que seria melhor que se recuperasse na casa de campo. Nesse período que estava fora, sua mãe morreu. Ao seu sofrimento físico somou-se o emocional. Foi nesse tempo de sofrimento que ouviu um sermão sobre as vaidades passageiras deste mundo, e que somente o Reino de Deus é eterno. As palavras a deixam profundamente comovida, decidindo por conversar com o padre após a missa, o qual sugere para a jovem retomar sua vida sacramental por meio da confissão.
A fé de Pauline nasceu, então, do encontro pessoal com a misericórdia do ressuscitado. Essa experiência, encontrar Cristo no fundo do seu coração, provocou uma mudança radical no seu pensamento e comportamento. Pouco depois de seu despertar espiritual, em seu aniversário de 17 anos, a jovem fez um voto particular de virgindade perpétua em sua comunidade paroquial, no dia de Natal. Tomou a firme decisão de ter apenas um amante em sua vida: Cristo. Essa mudança foi tão radical que ficou conhecida como sua “conversão”.
Segunda etapa: o encontro com os pobres de Lyon
O encontro de Pauline com Cristo a levou a ter grande sensibilidade com as pessoas sofredoras ao seu redor. Seu amor por Cristo foi expresso em gestos concretos de compaixão, tocando fisicamente a vida dos pobres. O encontro com os pobres é o segundo passo em sua vocação missionária. Se vestia com o traje dos pobres e seu apostolado era visitar os doentes para oferecer-lhes um pouco de consolação humana e espiritual.
Suas buscas e atitudes sempre iam mais além. Investiu tudo o que tinha para criar uma fábrica com condições humanas de trabalho, salário digno e moradia para os trabalhadores. Teve a ideia de criar uma empresa com participação nos lucros, com o objetivo de devolver a dignidade dos trabalhadores. Infelizmente, devido a administradores sem escrúpulos, perdeu tudo e foi forçada a declarar falência. Mais tarde, foi até obrigada a se inscrever na lista dos pobres da cidade.
Terceira etapa: A universalidade: Que o Evangelho chegue aos “confins do mundo”
O mandato missionário: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos” (cf. Mt28,18-20), inspirou Pauline a assumir a vocação missionária até os confins do mundo. Essa terceira etapa da vocação missionária de Pauline indica a maturidade da sua fé. A estreita relação com seu irmão Phileas impulsionou a jovem a abrir o coração para as necessidades da Igreja Universal. Phileas, ao contar-lhe sobre o trabalho missionário da Igreja na África, Ásia e China, a exortou a encontrar uma maneira de ajudar os missionários urgentemente necessitados de apoio espiritual e material.
O zelo missionário de Pauline a fez refletir e orar sobre como poderia contribuir para o anúncio do Evangelho além das fronteiras da França, até os confins do mundo. Em uma noite de dezembro de 1819, enquanto seus amigos jogavam cartas, Pauline pensava em como poderia cooperar com as missões Ad Gentes. Então lhe ocorreu a ideia de organizar grupos de dez pessoas, cada qual prometendo fazer uma oração diária pelas missões, oferecer um centavo a cada semana e encontrar outras dez pessoas que fizessem o mesmo compromisso.
Cada grupo de dez pessoas seria chamado de “dez” e elegeria uma líder encarregada de arrecadar os recursos. Pauline começou convidando as mulheres empregadas na fábrica de seda de sua família. Essa iniciativa se espalhou rapidamente e as dezenas se tornaram centenas, milhares e dezenas de milhares, até que os grupos se espalharam por toda a diocese, por toda a França e além.
O sistema criado por Pauline funcionou tão bem que dois anos mais tarde teve quase mil associados que, com sacrifícios, doavam materialmente e rezavam pelos missionários e missionárias Ad Gentes. Foi uma intuição tão bem-sucedida que os homens notários da época logo assumiram a administração da obra e, em 3 de maio de 1822, a registraram em Lyon como Associação para a Propagação da Fé. Pauline não foi mencionada nas atas da fundação, nem sequer citada como fundadora, devido à situação social da França do início do século XIX, na qual as mulheres não eram consideradas competentes para serem responsáveis por tais projetos.
A vocação de missionária leiga marca toda a espiritualidade de Pauline Jaricot. Nunca se tornou membra de uma congregação religiosa ou de um instituto secular. Sua identidade é de cristã leiga no meio do mundo, a que convida outras mulheres leigas a formar uma espécie de rede de oração e ajuda material para cooperar com a missão Ad Gentes.
Pauline Marie Jaricot, desde os primeiros anos da obra, teve o desejo claro que se baseia na oração e na coleta para promover e apoiar a missão Ad Gentes. Seu testemunho inspirador deu origem às Pontifícias Obras Missionárias (POM) como rede mundial de oração e solidariedade a serviço do Papa e das Igrejas locais. Sua beatificação significa avançar no sonho do Papa Francisco de uma Igreja em estado permanente de missão.
Pe. Maurício da Silva Jardim
Diretor Nacional das POM