Na Itália visitei o padre Savio Corinaldesi, no “Quarto Andar” da Casa mãe dos missionários xaverianos na cidade de Parma, a 500 quilômetros de Roma. Era domingo, 14 de maio, Dia das Mães e Festa das Famílias, quando os parentes visitam os missionários idosos. Nessa casa vivem cerca de 60 missionários, muitos deles sentindo o peso da idade e os anos de doação na missão mundo afora.
Padre Sávio trabalhou por 46 anos no Brasil, entre os quais, 13 anos dedicados à Equipe das Pontifícias Obras Missionárias (POM) em Brasília (DF). Com a mesma idade do papa Francisco, 80 anos, ele recorda como surgiu sua vocação: Eu era seminarista do seminário menor na diocese de Iesi, província de Ancona. Os missionários italianos passavam pela casa e falavam das missões. Mais tarde, o interesse pela missão aumentou com os retiros e leituras sobre a evangelização das principais congregações missionárias no mundo. Terminado o ginásio, passei para o seminário regional. Veio a pergunta: E tu, o que estás fazendo? Nesse tempo todos os anos, até cinco seminaristas passavam dos seminários diocesanos para congregações missionárias. Isso gerava certa tensão entre os bispos e os reitores dos seminários pela perda de seminaristas para as missões. Terminado o segundo ano de teologia, passei para os missionários Xaverianos em Parma onde fiz o noviciado e concluí os estudos.
A conversa com padre Sávio foi humana e divina. Ordenado padre em 15 de outubro de 1961, seu primeiro campo de trabalho foi na Espanha, onde, por seis anos, atuou na Animação Missionária dos seminários a serviço das POM daquele país. Chegou ao Brasil em 1968 e trabalhou nas dioceses de Belém e Abaetetuba (PA) e na prelazia do Xingu. De março de 1985 a junho de 1987, foi diretor do Centro de Formação Intercultural (Cenfi), em Brasília (DF). Mais tarde ocupou o cargo de superior dos Xaverianos da Amazônia e foi secretário executivo do Regional Norte 2 da CNBB. Em seguida, foram 13 anos na Equipe das POM de onde saiu no final de 2014, regressando à Itália em 2015.
Padre Sávio é profundo em suas reflexões. Com um estilo de vida simples, comunica a essência do Evangelho. Na Prelazia de Abaeté do Tocantins, hoje diocese de Abaetetuba, o missionário esteve mergulhado na realidade, colocando em prática o principal fundamento da missão. Nos anos 1960, a missão estava bastante condicionada ao paternalismo, ao mero ensinar e socorrer o povo em suas necessidades: – Conforme ia descobrindo os valores do povo, essa ideia foi desaparecendo, e me convenci de que, o que eu tinha para ensinar não era maior do que a riqueza que o povo possuía para me oferecer. Aprendi muito!
Durante 24 anos, esteve entre várias paróquias e comunidades, na pastoral, na formação, coordenação e promoção humana: – Nisso havia uma preocupação para que o povo assumisse os seus destinos por meio de cursos de capacitação, lideranças e animação de movimentos populares. Uma experiência marcante foi o trabalho ao longo da famosa rodovia Transamazônica a partir da cidade de Altamira no Pará, centro da Prelazia do Xingu, sob a responsabilidade de dom Erwin Krautler. Querendo aliviar as tensões sociais de algumas regiões (sul e nordeste), o governo federal promoveu a ocupação da Amazônia por meio da construção da rodovia, a qual atravessaria toda a América do Sul sob o lema ‘terra sem gente para gente sem terra’. A previsão seria levar 100 mil famílias para a região doando todo o apoio logístico. Graças a Deus, nem 10 mil famílias aderiram ao projeto. A chegada desses migrantes criou sérios problemas para a pastoral da região. As dioceses de Marabá, Xungú e Santarém, pediram ajuda aos bispos do Brasil. O bispo de Abaetetuba enviou dois padres: eu e o meu colega xaveriano, Mario Lanciotte.
Receber um povo sem rumo e organizar as comunidades foram os principais desafios dessa missão. Padre Sávio recorda que, nos anos 1992 e 1993, começou a aparecer vários casos de meninos mutilados. Não se sabia bem a causa nem os responsáveis. Com o apoio das comunidades fizeram pressão para que a justiça tomasse providências. Os responsáveis foram encontrados e levados à justiça. “Este foi um desafio novo na missão”, concluiu.
O local e o universal da missão
Atento ao novo e sempre procurando dar respostas aos desafios, investiu na organização das comunidades e na formação de lideranças, sem ficar restrito ao local, mas com um coração aberto ao mundo:
– Uma das preocupações foi a abertura para a dimensão universal da Missão. Isso ganhava impulso em outubro com a celebração do Mês das Missões. A ideia da missão além-fronteiras na Igreja no Brasil, inicialmente não foi bem aceita. Não havia muita abertura. Mas nos documentos da CNBB e do magistério da Igreja haviam colocações marcantes sobre o tema.
Isso recorda o Documento de Aparecida (n. 365) que alerta para não cair na armadilha de pensar que a missão termina nos limites da Igreja local. Padre Sávio lembra que o saudoso dom Luciano Mendes de Almeida, em um retiro para os xaverianos, observou que “os missionários estrangeiros não teriam cumprido com sua missão no Brasil, porque foram ótimos missionários, mas não souberam ensinar os brasileiros a serem missionários além-fronteiras”.
Nesse sentido, ele destaca a importância do trabalho das POM com suas atividades envolvendo a Infância e Adolescência Missionária (IAM), a Juventude Missionária (JM), os seminaristas com os Conselhos Missionários (Comises) e a formação de lideranças.
Padre Sávio conta sobre o início do trabalho das POM nas atividades da IAM: Inserir os jovens que não vinham dessa caminhada apresentou dificuldades. Hoje, após dez anos de caminhada, existe um projeto mais claro para a JM. O trabalho com os seminaristas também começou com dificuldades, mas graças à persistência e à criação dos Comises, o trabalho ganhou corpo. Os dois congressos missionários de seminaristas (2010 e 2015) e as formações nos regionais impulsionaram a caminhada. A esperança é termos presbíteros mais sensíveis com a missão universal.
Ao tomar conhecimento do crescimento nos trabalhos da Pontifícia União Missionária, da qual foi secretário nacional, padre Sávio soltou mais uma de suas pérolas: Fico feliz em saber dos avanços sobretudo no trabalho com os seminaristas. A missão ou cresce ou desaparece. Não existe uma missão estagnada. O perigo que corremos é de pensar somente nos nossos quintais. Gostaria que na missão considerássemos não somente o anúncio da fé, mas também o testemunho da caridade, da solidariedade com os povos mais necessitados. Se conseguíssemos comunicar o amor e a misericórdia de Deus ao mundo, isso já seria o suficiente.
Acolhedor e atento aos que o visitam, comentou sobre a sua saúde: Na vida missionária é possível ser útil mesmo estando doente, idoso ou fisicamente limitado. Aqui, no quarto andar, temos uma intensa vida comunitária que leva em conta as limitações de cada um, mas não permite que ninguém se sinta esquecido. Com o mal de Parkinson, o maior problema é comandar as pernas e ser por elas obedecido.
A essa altura, vem a recordação de uma das suas mais profundas lições: “O meu presente e meu futuro estão nas mãos do meu parceiro, o Dr. Parkinson que vai tomando posse de mim, cada vez mais arrogante e exigente. Ele pensa que vai me ganhar, mas o coitado ignora que pertencemos a uma raça de pessoas que, pela graça de Deus, produz frutos também quando pregadas numa cruz” (SIM nº 1. jan-mar 2015).
Pe. Jaime Carlos Patias, secretário nacional da Pontifícia União Missionária. Publicado no SIM nº 3. Jul- set 2017.