Por Pe. Eltom de Sousa Melo*
A dinâmica do coração ardente pela Palavra de Deus leva o discípulo-missionário para o encontro do novo. A experiência do novo é cheia de aprendizado e é centrada em interesses que nos colocam a caminho pela construção do reino dos céus. Neste sentido, o lembrete de São Paulo VI ressoa forte e bem atual para a missão da Igreja: “Cristo aponta para a Amazônia”. E motivou missionários visitantes de todos os recantos do Brasil para o contato, a primeira vez para muitos, com o povo amazonense, e também tocou os missionários residentes que acolheram os visitantes com muito carinho. O Conselho Missionário de Seminaristas (COMISE), as Pontifícias Obras Missionárias (POM), a Organização dos Seminários e Institutos do Brasil (OSIB) e a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), promoveram entre os dias 05 a 17 de janeiro de 2023 a Primeira Experiência Vocacional Missionária Nacional “Pés a Caminho”. Dentre os 280 missionários e missionárias, provenientes de todos os regionais da CNBB, estavam presentes: cristãos leigos e leigas, seminaristas, padres, formadores, religiosos (as), juventude missionária e bispos.
Naqueles dias, fomos ao encontro de comunidades cristãs católicas localizadas nos rincões do mundo amazônico. Para tanto, superamos nossas limitações culturais para conhecer a cultura daquele povo, gente de fé, ao mesmo tempo desejosos e cheios de Deus. As ações evangelizadoras das Igrejas da Amazônia têm o desafio do alcance geográfico. Grande número de comunidades católicas está no interior, nas margens dos rios e distantes dos centros urbanos. O deslocamento por lancha, barco ou rabeta é comum na região, mas não é sempre acessível, prático e rápido, de modo a favorecer encontros, formações e celebrações. Algumas paróquias ainda não dispõem de um veículo próprio, como uma lancha, para o transporte da equipe missionária. De toda forma, os custos são altos, mesmo para aquelas que possuem o meio, devido a manutenção e o custeio da viagem. Consideremos ainda a baixa renda dessas paróquias e seus esforços para levantar fundo de sustentação próprio.
A pouca acessibilidade explica por que algumas comunidades ficam um ano, ou mais, sem receber a visita do padre. Vale lembrar que o clero é reduzido ou escasso, contando que existem paróquias sem padres ou padres que assumem mais de uma paróquia, garantido o serviço de alguns sacramentos. Por outro lado, a Igreja na Amazônia tem a força dos ministros leigos que sustentam a evangelização e a animação das comunidades.
Seguindo a divisão dos grupos de missionários, fomos para a Prelazia de Itacoatiara, onde conhecemos a organização das comissões missionárias prelatícia e paroquial. Mais especificamente, a nossa experiência se deu na Paróquia Cristo Rei. A paróquia é formada por três comunidades urbanas (Cristo Rei, São Pedro e N. Sra. da Conceição) e 42 comunidades no interior (na região do Rio Arari e na Ilha do Risco). Lá encontramos um grupo de pessoas dedicadas à evangelização das comunidades urbanas e ribeirinhas, que nos orientaram com muito cuidado e atenção.
Nosso grupo de missionários era formado por Felipy (CE), Érico Rafael (MA), Igor (PI), José Eldo (BA), Rafael (PR), todos seminaristas, mais esse que assina embaixo. Fomos acolhidos pelo pároco, pe. Bruno Nirmal, missionário indiano da Congregação dos Missionários de Maria Imaculada, e um grupo de paroquianos que nos fizeram sentirmos em casa. Encontramo-nos com as lideranças da paróquia para organizar o programa de visitas, nos apresentamos e celebramos a Eucaristia para iniciar a semana missionária. Visitamos as comunidades urbanas, uma por dia. Primeiro, visitamos a comunidade são Pedro, depois Cristo Rei e Conceição no terceiro dia. Entramos em muitas casas, levando um pouco da palavra de Deus e de oração, ouvindo as histórias de cada família e suas experiências de fé.
Por dois dias fomos encontrar as comunidades do interior. Tomamos a lancha paroquial junto com o padre Bruno e mais quatro missionários da paróquia (Roberto, Jenifer, Suelem e Lidiane), mais o piloto, Maxuel, totalizando doze pessoas, a capacidade da lancha. Fomos na região do Rio Arari. No primeiro dia, chegamos na comunidade de São João do Araçá, onde se encontravam reunidas gentes das outras comunidades do setor. Também lá, visitamos casas, trocamos experiências, rezamos juntos e comemos comidas do lugar. Passamos o segundo dia na comunidade Nossa Senhora do Livramento, onde estavam reunidas comunidades de outro setor, realizamos encontro com a juventude presente, visitamos casas, celebramos juntos a Eucaristia e até um momento de descontração organizado pela comunidade.
A experiência gastronômica é inseparável da missionária e vocacional. Cores, perfumes e sabores se misturam de um jeito que só se encontra na Amazônia. Peixe na refeição nunca falta: pirarucu, tambaqui, jaraqui (como dizem lá, “quem come jaraqui não quer sair daqui”), bodó (assado é muito bom). As frutas são gostosas, cheirosas e saborosas. Como recordação, o nome de algumas: ramutan, cupuaçu, cupu, ingá, taperebá, açaí, tucumã. E os diversos pratos que não saem da lembrança: pirarucu cozido, pirarucu a casaca, caldeirada, tapioca, sanduíche x-caboclinho (banana frita, queijo coalho e lascas de tucumã dentro do pão francês), tucupi e tacacá, açaí puro com tapioca, pé de moleque, bejú.
O fim desta experiência em Itacoatiara foi marcado por inúmeros agradecimentos e momentos de confraternização. Tudo foi muito intenso e bem vivido de modo que foi dolorida a hora da despedida; a experiência deixou bonitas marcas em nossas vidas. Voltamos de Itacoatiara com as malas, a mente e o coração cheios de lembranças e o ardor renovado para a continuação da missão. Em Manaus, nos reunimos um dia inteiro para avaliar as ações realizadas, para recolher o aprendizado e compartilhar com os outros a vivência. Seguindo a lógica do discurso de Pedro e João falando do Cristo, “não podemos deixar de testemunhar o que vimos e ouvimos” (At 4,20), refletimos sobre os impactos dessa experiência nos âmbitos vocacional e missionário para a vida da Igreja. Foram muitas as reflexões e contribuições apresentadas. O resultado das avaliações gerou mais de trezentas páginas, que terão seu conteúdo organizado e depois publicado.
De modo geral, bem geral porque a conversa foi longa, concordamos que a Igreja tem presença marcante na Amazônia, ela existe e sobrevive pela marca de muitos missionários que entregaram suas vidas pela gente daquele chão. Contudo, é uma Igreja carente, que precisa de ajuda para a animação das comunidades, evangelização da juventude, formação de lideranças religiosas e comunitárias para o cuidado do povo.
Para orientar a continuação da missão na volta para nossos lugares, em forma de síntese, foram apresentadas algumas luzes para a caminhada, que servirão para fomentar a missionariedade nos diferentes espaços da Igreja, do litoral ao sertão, da capital ao interior, dos seminários às cátedras de nossas igrejas locais:
• Jesus é o Missionário do Pai. Ele anuncia e inaugura o Reino de Deus. A Igreja que coopera com a missão de Deus, é conduzida e iluminada pelo Espírito (Lc 4,14-21; At 1,8).
• A realidade da região amazônica é mais complexa, rica e plural do que imaginávamos. A Igreja que está na Amazônia busca ser viva, ministerial e profética. É importante considerar a força da realidade e da proximidade com o povo de Deus, iluminadas pela sua Palavra, no processo de conversão: o que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que as nossas mãos apalparam da palavra da Vida, nós vos anunciamos (cf. 1Jo, 1).
• A missão é vocação: em todos os âmbitos e lugares, necessitamos trabalhar em favor da construção de uma Igreja em saída, fortalecendo uma cultura vocacional missionária: “corações ardentes, pés a caminho” (cf. Lc 24, 32-33).
• A missão é fundamento da vocação cristã: Nós, seminaristas, padres, formadores(as), religiosos(as), leigos(as) e bispos, somos chamados a assumir a missão como estilo de vida: Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura (cf. Mc 16,15).
• Reconhecemos a transversalidade da missão no processo formativo do discípulo missionário. A missão é natureza da Igreja, faz parte do cotidiano e deve levar ao deslocamento existencial e vocacional do cristão. Ela não se restringe a eventos, atividades ou a uma dimensão (AG 2).
• O encontro com Jesus Cristo faz nascer a missão que exige oração, estudo e participação na vida da comunidade eclesial missionária. É compromisso com a própria vocação preparar-se bem para uma “Igreja em saída”. Nos seminários, o COMISE possibilita a cooperação, animação, articulação e a integração desses e outros elementos no processo formativo (DCE 1).
Chegada a hora de voltar para casa, a missão continua. Como diz o lema do Ano Vocacional da Igreja no Brasil, “corações ardentes, pés a caminho” (Lc 24), assim, seguimos com o testemunho do que vimos e ouvimos para animar a caminha de fé da Igreja onde nos encontramos. Sem a missão, a Igreja é morta. A Igreja é missão, é dinâmica e viva. Santa Maria, mãe da Amazônia possa nos conduzir nos bons propósitos do anúncio do Reino da Paz e do Amor que só Deus dá.
* Pia Sociedade de Padre Nicola Mazza – Paulista (PE)