Povo Kayapó: Um sonho missionário realizado

Convivência, Evangelização e a construção de pontes culturais no Alto Xingu. Ir. Raymundo Camacho fala sobre a experiência missionária com os povos indígenas do Sul do Pará.

Olá! Sou o Irmão Raymundo Camacho, Missionário Xaveriano, membro do Conselho Indigenista Missionário CIMI, há mais de 25 anos em convívio com os povos indígenas do Sul do Pará, particularmente com o povo Kayapó.

Após terminar a teologia, em 1996, tive a graça de fazer parte do pequeno grupo que trabalhava diretamente com os Kayapó, com os quais continuo até hoje na pastoral indigenista. Sonho realizado! E lá se vão mais de 25 anos de convivência e vida na missão junto ao povo Me-be-ngô-krê ou Kayapó como é mais conhecido. No início de 1997, recebi o seguinte comunicado do Superior regional: “Assim que voltar das férias, você não fará mais parte de comunidade onde esteve até agora, de hoje em diante passa a formar parte da equipe da Pastoral Indigenista”.

Uns dois anos antes, a equipe dos missionários Xaverianos e professores que atuavam junto aos Kayapó tinham sido expulsos da aldeia, por um desentendimento com uma liderança. Sendo assim, a nova equipe tinha a tarefa de abrir novos caminhos e “construir as pontes” do relacionamento e da convivência com esse povo indígena hegemônico na região do Alto Xingu.

Depois de alguns ajustes e mudanças nas comunidades xaverianas, o Pe. Pino Leone e eu saímos rumo a uma nova aldeia do povo Kayapó, que estava sendo construída nas imediações do Riozinho, afluente do Rio Fresco, no município de São Félix do Xingu (PA). Fomos bem recebidos na aldeia ainda em construção, pois a maioria deles conhecia os missionários devido a visitas pelas aldeias. A nova comunidade, formada por dois grupos dissidentes de duas grandes aldeias, foi chamada Moxkàràkô em referência a um tipo de árvore da família do jatobá, abundante no lugar onde era construída a nova aldeia, na qual passaria meus primeiros anos de missionário com o povo indígena Kayapó.

Os primeiros tempos foram difíceis, não tanto pela convivência com os indígenas ou entre nós mesmos, mas sim pelo choque psicológico e cultural. Entramos na lida da enxada e do facão! Para mim, que há pouco tinha terminado a Teologia, com o conceito intelectual ainda na cabeça, retornar para um tipo de vida culturalmente semelhante com as minhas próprias origens, parecia-me um retrocesso inconcebível; uma década de anos de estudos para retornar a pegar na enxada e no facão que tanto calejaram as minhas mãos na infância! Inconcebível…!

Mas graças às boas reflexões teológicas “pé no chão”, gastando literalmente o chinelo de dedo até a alça arrebentar, as coisas mudaram e o equívoco de elevar o conceito da intelectualidade esfumou-se mata adentro, deixando espaço livre para a convivência fraterna com aquela nascente comunidade indígena, que logo se tornaria uma grande família para mim.

Nessa minha primeira experiência missionária, foram sete anos morando na aldeia, no meio deles, na convivência fraterna como filho, irmão, amigo e inclusive como pai, segundo os princípios culturais, pelas várias crianças meninos e meninas que nasceram durante a minha convivência com eles.

Alguém pode dizer: até aqui foi uma convivência. E a missão, a Evangelização de “Levar o Evangelho aos que ainda não o Conhecem” onde fica? Pois essa é a tarefa essencial dos Missionários Xaverianos! Está na maneira de realizá-la e a fazemos de diversas formas: pode ser pela Palavra, pelo conhecimento do ‘outro’, da cultura, da presença, da solidariedade, do “estar com”, pela convivência fraterna e enfim pelo diálogo entre iguais.

As tentações da doutrinação, catequização, cristianização com uso do batismo não são poucas, influenciadas por vários sentimentos, incluindo o de superioridade, mas ao se defrontar com uma cultura totalmente desconhecida, porém, estruturada sob seus próprios princípios culturais, políticos, morais e religiosos, sempre aparece a possibilidade, surgem as diversas maneiras de apresentar e vivenciar o Evangelho com e entre os “outros”. Nessa caminhada escolhemos pôr em prática a “Evangelização implícita”, isto e, viver os valores do Evangelho no meio e entre, pela fraternidade, serviço e solidariedade no meio deles.

Por Ir. Raymundo Camacho, sx

Texto publicado na Revista SIM – Setembro a Dezembro de 2024

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