Ramos de esperança para uma humanidade sem rumo

Por Marcelo Barros*

A celebração da Semana Santa começa com o domingo de Ramos. O evangelho conta a entrada de Jesus em Jerusalém. O costume de fazer a procissão, na qual todos levam ramos nas mãos, vem da Igreja de Jerusalém. Depois a celebração retoma a antiga tradição romana do domingo da Paixão. Até hoje, além de um cântico de Isaías sobre o Servo Sofredor e o hino da carta aos filipenses, se lê o relato da paixão de um dos evangelhos sinóticos (neste ano A lemos Mateus). É o único domingo do ano, no qual a liturgia tem dois evangelhos, já que no começo da celebração se lê o evangelho de ramos. Nesse ano é Mateus 21, 1 – 11. É esse evangelho que vamos meditar hoje (Deixemos a paixão para a sexta-feira santa).

Conforme João, durante sua vida de adulto, Jesus teria ido a Jerusalém, ao menos três vezes, para as festas mais importantes do ano. Nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, Jesus só vai uma vez a Jerusalém e essa vez é para celebrar a sua Páscoa e dar a sua vida. Assim, esses evangelhos resumiram várias peregrinações de Jesus em Jerusalém em uma só e contam que Jesus entrou na cidade santa, montado em um jumento e com o povo que vinha do interior e também entrava na cidade, aclamando-o como Messias e Libertador. Conforme esses evangelhos, esse fato teria ocorrido quando ele subiu a Jerusalém para celebrar a Páscoa. No entanto, escrevem que o povo o acompanhava agitando ramos nas mãos e cantava versos do salmo 118 (Bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana!). Na época de Jesus, esse gesto e esse salmo faziam parte dos ritos não da Páscoa e sim da festa das Tendas (Sucot), que até hoje, as comunidades judaicas celebram no outono (em setembro) e recorda a caminhada dos hebreus no deserto na esperança da libertação. É uma festa centrada na esperança messiânica, portanto, na fé de que a libertação não foi só do passado, mas haja uma libertação definitiva e o mais cedo possível.

Ao menos uma vez, nessa ocasião da entrada em Jerusalém, Jesus assumiu esse papel de Messias que vem assumir o seu reinado, ou seja, vem reanimar a esperança de libertação do povo pobre. Jesus aceita ser visto como Filho de Davi (descendente do rei) e ser aclamado pelo povo pobre como Libertador… Mateus diz que ele faz isso, inspirado na profecia de Zacarias (Zc9, 9- 12). Por isso, entra na cidade não como um rei vitorioso montado em um cavalo branco e cercado de soldados. Jesus entra em Jerusalém, montado em um jumentinho e cercado por lavradores e gente do campo, pobres e maltrapilhos. Nada de assumir liderança política. O povo pobre esperava que ele quisesse ocupar o trono de um futuro Israel libertado dos romanos. Por isso gritavam: Filho de Davi. Não foi esse o projeto de Jesus. Por sua atitude e o modo como entrou em Jerusalém, deixou claro que a libertação só virá através dos próprios pobres. Como diz a canção dos anos 70: “Eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor”.

Jesus transforma a procissão litúrgica de ramos em marcha social e política dos pobres explorados da Galileia que entram na cidade cantando hinos de libertação como o salmo 118 e gritando Hosana! Essa expressão aramaica foi mal entendida. A Igreja pensou que tinha sido expressão de louvor. E colocou nas missas: Santo, santo, santo… Hosana nas alturas!. Mas em aramaico, hosana significa “liberta-nos agora”. Não era aclamação de louvor. Era um grito quase desesperado de pedido de socorro.

Diante dessa manifestação social e política de Jesus e do povo da roça, entrando na cidade, as reações da povo da cidade e das autoridades são de receio e rejeição. Medo dos romanos. Medo de serem vistos como aliados dos subversivos do campo. No evangelho de hoje, Mateus diz que “toda a cidade de Jerusalém estremeceu”. O verbo é o mesmo que o evangelho usa para dizer que quando Jesus morreu, a terra tremeu. Lucas diz que os chefes vieram pedir a Jesus que mandasse os discípulos e o povo se calarem. E Jesus responde: Se eles se calarem até as pedras gritarão! Já o povo pobre que o acompanhava conclui que quem está ali é o profeta Jesus de Nazaré da Galileia. Então, Jesus não entra na cidade como rei e sim como profeta. É como profeta da esperança da libertação que ele quer, hoje, ser acolhido na Jerusalém nova que é a nossa vida, nossa comunidade e nosso mundo.

Alguém dos nossos grupos sugeriu que nesse momento no qual não podemos ir às Igrejas, cada um/uma pendure um ramo verde na porta ou na varanda de casa ou do apartamento. Em um relato simbólico, a Bíblia conta que, quando o mundo inteiro estava afundado nas águas do dilúvio, Noé soube que aquela calamidade tinha passado porque uma pomba que, da arca, ele tinha soltado, voltou trazendo no bico um ramo de oliveira (Gn 9). Hoje, nossos ramos sejam como a flor que uma pessoa apaixonada oferece à outra e significa o amor que se partilha. Que possamos assumir a tarefa das pequenas libertações mas que às vezes doem tanto: o ramo que é libertar uma palavra que até aqui não sentíamos força de dizer. O ramo, sinal de amizade que hesitávamos em fazer, o ramo da coragem de sermos generosos. E que isso vá acumulando energia para as vigílias pela democracia, os bate-panelas para protestar contra o desgoverno que se abateu sobre o Brasil como vírus mortal. Os ramos que revelam o mais importante: pertencemos a uma rede de solidariedade e de comunhão nessa nova Páscoa que vamos celebrar. E como estamos nesse momento, cada um/uma isolado em quarentena, deixo vocês com um poema do nosso querido patriarca e profeta Dom Pedro Casaldáliga: “E chegarei de noite, com o feliz espanto,
de ver, por fim, que andei, dia após dia,
sobre a palma da tua mão”.

* Monge beneditino

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