Por Pe. Maurício da Silva Jardim*
Durante o sínodo especial para Amazônia, em outubro de 2019, em uma das suas intervenções, o Papa Francisco propôs, diante dos desafios, pensar respostas totalizantes para evitar remendos: “Percebi que não estamos fazendo propostas totalizantes, mas propostas de remendo.
Para cada problema uma solução. Procuramos disciplinar os conflitos. Pensava, com remendos nunca vamos resolver o problema da Amazônia. Há conflitos que não se resolvem com disciplina, mas com transbordamento, com excesso. Como Deus resolveu o conflito do pecado? Com o transbordamento da redenção. Não foi com a lei que resolveu o conflito, mas com a graça”.
Portanto, a via de saída para responder aos conflitos é o transbordamento que transcende a visão limitada e parcial. A capacidade de sonhar é uma forma de transbordamento. Os sonhos nos fazem caminhar com esperança, pois a realidade pode mudar. O importante é não sonhar de forma isolada, mas em conjunto: “Quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se sonha juntos é o começo da realidade”, como cita Miguel de Cervantes, romancista do século XVI, e depois repetido por tantos autores, inclusive dom Hélder Câmara. Assim, para alimentar nossos horizontes, apresento dois sonhos eclesiais: Igreja Missionária e Igreja Sinodal.
Igreja Missionária
“A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária, visto que tem a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na ‘missão’ do Filho e do Espírito Santo” (Decreto Ad Gentes, 2). Com essa afirmação, o Concílio Vaticano II recuperou a concepção teológica da natureza missionária da Igreja. Deus é missão e a missão é de Deus; seu amor fontal misericordioso quer comunicar-se ao mundo. Esse mistério de amor é o movimento da própria Trindade.
A missão é maior do que qualquer metodologia, pastoral, movimento, dimensão ou atividade. A missão está na ordem do ser e não se reduz a algumas horas do dia. “A missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não quero me destruir. Eu sou uma missão de Deus nesta terra, e para isso estou neste mundo” (EG, 273). A missão assim compreendida não é algo optativo, uma atividade da Igreja entre outras, mas a sua própria natureza. A Igreja é missão! “A ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja” (EG,15).
O horizonte maior da missão e seu paradigma é a missão ad gentes expressa no mandato de Jesus: “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos” (Mt 28,19). Para a sua concretização, não pode faltar o envio além-fronteiras de discípulos missionários devidamente preparados, entre aqueles que não conhecem Jesus Cristo no meio de outros povos, compreendida como cooperação missionária. Além do aspecto territorial e geográfico, a missão ad gentes é entre os novos ambientes culturais indiferentes ao Evangelho.
Temos um longo caminho de conversão pastoral para sermos uma Igreja em estado permanente de missão. A crise da missão é uma crise de fé, assim destacou São João Paulo II na Redemptoris Missio: “A missão é um problema de fé, é a medida exata de nossa fé em Cristo e no seu amor por nós” (RM, 11), ou ainda, “O impulso missionário sempre foi um sinal de vitalidade, assim como a sua diminuição constitui um sinal de crise de fé” (RM, 2).
Igreja sinodal
O termo grego “sínodo” significa “caminhar juntos”. O tema da “sinodalidade” é de profunda atualidade, adquirindo especial importância desde o Vaticano II, principalmente no pontificado do Papa Francisco. Ele nos ofereceu uma reflexão teológica profunda e desafiadora sobre a sinodalidade da Igreja, na comemoração dos 50 anos da instituição do Sínodo dos Bispos, aos 17 de outubro de 2015, afirmando que “o caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio”.
Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar «é mais do que ouvir». É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o «Espírito da verdade» (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele «diz às Igrejas» (Ap 2, 7).
A sinodalidade exprime a capacidade de caminharmos juntos, embora sejamos diferentes. Pessoas e grupos são diferentes, compreendem a realidade de modos distintos, organizam-se de jeitos diversificados, sem que nenhum possua a total compreensão da realidade. As diferenças não podem se polarizar, ao contrário, podem testemunhar, ainda que muitas vezes seja difícil ser capaz de agir prontamente para construir comunhão, de caminhar ao lado de quem pensa diferente, rumo à mesma meta, que é o Reino de Deus.
A sinodalidade não suprime as diferenças. Ela as integra num caminhar regado pela graça de Deus, mostrando que, onde o pecado poderia levar à polarização e à separação, a graça divina constrói unidade. Cada pessoa e cada grupo possuem suas identidades, mas essas identidades não podem servir para justificar a ruptura ou o desrespeito a quem pensa diferente. Devem, ao contrário, estimular o contínuo diálogo, em busca de pontos em comum. Para que isso ocorra, são necessárias estruturas de comunhão, de ajuda à sinodalidade.
O cardeal Sérgio da Rocha, 4º Congresso Missionário Nacional, abordou a temática da sinodalidade, destacando que a missão é tarefa eclesial. “Embora exija a participação e a responsabilidade pessoal, a missão é sempre tarefa eclesial, de cunho comunitário. Não é propriedade particular restrita a alguém ou a um grupo. Uma Igreja sinodal valoriza os diversos níveis, favorecendo a participação de todos e promovendo uma salutar descentralização. Uma centralização excessiva, em vez de ajudar, complica a vida da Igreja e sua dinâmica missionária”.
A conversão sinodal foi um dos apelos do sínodo para Amazônia que apontou para uma maior e mais efetiva participação dos cristãos leigos e leigas. “Como expressão da corresponsabilidade de todos os batizados na Igreja e do exercício do sensus fidei de todo o Povo de Deus, surgiram as assembleias e os conselhos pastorais em todos os âmbitos eclesiais, assim como as equipes de coordenação dos diversos serviços pastorais e os ministérios confiados aos leigos. Reconhecemos a necessidade de fortalecer e ampliar os espaços de participação do laicato, tanto na consulta como na tomada de decisões, na vida e na missão da Igreja (Doc. Final do sínodo para Amazônia, 94).
O sonho eclesial de uma Igreja missionária e sinodal se concretiza nas pequenas comunidades eclesiais missionárias, na itinerância missionária, nos projetos missionários ad gentes e Igrejas irmãs, nos diferentes conselhos pastorais e missionários e nas prioridades do Programa Missionário Nacional.
* Diretor Nacional das POM