Por Bernadete de Oliveira*
Vida missionária peregrina: viver andando a pé, numa tentativa atual de seguimento ao Peregrino Maior, Jesus Cristo.
Esse é o chamado que ouvi há alguns anos pelo qual respondi sim. Sou missionária peregrina. Caminho sozinha ou em grupo, sem utilizar dinheiro, sem saber o que vou comer durante o dia ou onde vou dormir à noite. Estou me referindo a peregrinações de 200, 400 ou até mais de 800 quilômetros por estradas diversas, pela zona rural, por BRs, por qualquer região, embora tenha andado preferencialmente pelo nordeste.
Primeiramente, em oração, pois o que me motiva à vida peregrina é a espiritualidade do Caminho, penso e projeto um percurso a fazer. Só me preocupo com o fato de serem distâncias diárias que consiga fazer antes do dia declinar, pois chegar a algum lugar depois de escurecer, sendo desconhecida, é bem mais complicado. Parece que gera desconfiança.
Entrego-me, como nos lembra em suas falas o Papa Francisco, à vivência do encontro, seja com as pessoas ou com a natureza.
Dessa forma, durante a caminhada, relaciono com outras pessoas andarilhas que, em geral, são ignoradas pela sociedade. Tenho oportunidade de dialogar e, quando possível, partilhar algum alimento. Às vezes, encontro pelos lugarejos pessoas de diversas faixas etárias e de condição social variada que venho a interagir e, explicita ou implicitamente, proclamar e constatar que o Reino de Deus está próximo (Lc 17, 21). Com frequência, encontro pessoas idosas, carentes de atenção e tento ser um alento ao passar alguns momentos com elas.
Em condição de indigência, também tenho possibilidades de me colocar como instrumento de Deus, e solicitar ajuda. Como nos diz São Paulo na 2ª carta aos Coríntios 12, 10: “Por isso, por amor a Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco, é que sou forte.”
Sinto-me, com minha presença peregrina, como uma proposta à confiança, à gratuidade, à abertura de coração. Tenho presenciado o quanto há de bondade no ser humano, o quanto o bem supera o mal. “Podemos constatar a presença de Deus nas casas, nas vilas, nas ruas, nos andarilhos, nas mãos que abrem as portas, as grades e deixam uma desconhecida entrar. Confiam, acolhem e o Ressuscitado se revela como em Emaús.” (Vivências do Caminho, 2ª edição, pag. 19).
Só posso louvar e bendizer a Deus que faz maravilhas hoje da mesma forma como agiu no tempo de Jesus. Precisamos nos lançar, sem medo, como Pedro que, ao ver Jesus andando sobre o mar, caminhou sobre as águas (Mt. 14, 29).
A vida de missão peregrina se manifesta no dia a dia da peregrinação de forma simples, assim como Jesus nos ensina ser o Reino de Deus: como um grão de mostarda (Mc. 4, 31-32), mas que pretende ser uma voz profética no meio de uma sociedade que supervaloriza o ter e deprecia o ser, preconiza o consumismo e o crescer a qualquer custo, mesmo que se desumanize para isso.
Jesus Cristo é o paradigma missionário da peregrinação. Toda a sua vida nos sinaliza fé e esperança, com seus pequenos gestos que se redimensionam em mística profunda que provoca mudanças e promove a fraternidade para a humanidade.
* Consagrada secular do Instituto Secular Servas de Jesus Sacerdote, missionária peregrina. Cursou Letras e Teologia. Escritora do livro “Vivências do Caminho, narrativa de acontecimentos experimentados a pé”, pela A5editora.