Sete comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol receberam a visita do bispo diocesano de Roraima, Dom Mário Antônio da Silva, entre os dias 26 a 29 de setembro. Uma comitiva missionária de 24 pessoas, formada por padres Missionários da Consolata, leigas missionárias vindas de Manaus e Boa Vista, e lideranças das comunidades indígenas, acompanhou o bispo nas visitas, onde estavam programadas dedicações do altar de igrejas, inauguração de um auditório e de um malocão, batizados, casamentos e crisma.
Em todas as comunidades visitadas (Maturuca, Caxirimã, Popó, Wilimon Tabatinga, Enseada e São Mateus), os missionários foram acolhidos pelas lideranças, pelo Tuxaua (o cacique) e pelas crianças e jovens, que cantavam e dançavam, vestidas com trajes típicos.
A primeira atividade programada para Dom Mário Antônio foi a inauguração do auditório “Ou vai ou racha”. Um lugar construído ao lado da Igreja na Missão Maturuca, para ser um espaço de reuniões e encontros. O nome do auditório recorda a decisão histórica de 26 de abril de 1977, quando os líderes indígenas, chamados de Tuxauas, reuniram-se e tomaram uma decisão: “não à bebida alcoólica e sim à comunidade”. Na época, muitos indígenas, inclusive lideranças, estavam se perdendo no álcool e causando muitos problemas para a família e a comunidade, o que causava o enfraquecimento da própria comunidade indígena, ameaçada pelos fazendeiros e garimpeiros.
Tal decisão, que é renovada ainda hoje, foi um marco na história das comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol. Inclusive, a homologação das terras, ocorrida em 2005, só foi possível graças a união, organização e fortalecimento das lideranças indígenas. Tal união é simbolizada por um feixe de varas, significa que uma vara sozinha é facilmente quebrada, mas se estiver atada a outras é impossível de se quebrar.
A comunidade do Caxirimã acolheu os missionários com júbilo, inclusive vestindo Dom Mário com trajes indígenas: um cocar, uma saia de palha e um cajado com chocalhos. A Igreja Nossa Senhora das Graças, no alto da colina, foi inaugurada e teve seu altar ungido. Na missa também foram batizadas oito crianças e dois casais celebraram o matrimônio. Em sua homilia, Dom Mário afirmou que ali naquela colina onde está construída a Igreja, Jesus continua a dizer as páginas do Evangelho das Bem-Aventuranças: “Aqui Jesus não teria dificuldade de sentar conosco e dizer: bem aventurados os pobres de espírito, bem aventurados os que lutam por justiça, bem aventurados os que cuidam das crianças, dos jovens e adolescentes, bem aventurados aqueles que cuidam dos adultos e dos idosos, bem aventurada a comunidade do Caxirimã, bem aventuradas as populações das terras indígenas da Raposa Serra do Sol, bem aventurada a Diocese de Roraima e a nossa Amazônia”, afirmou.
As igrejas de São Miguel Arcanjo, na comunidade do Popó, e Nossa Senhora de Nazaré, na comunidade Tabatinga, também foram inauguradas e tiveram seus altares ungidos. Nas celebrações, antes de entrar na Igreja, Dom Mário fazia a aspersão com água benta e, junto com a comunidade, dava três voltas ao seu redor incensando com o Maruai, uma espécie de resina extraída das árvores da região.
As comunidades indígenas da região da Raposa Serra do Sol estão divididas em 9 centros: Maturuca, Wilimon, Morro, Pedra Branca, São Mateus, Caraparu, Carapanã, Pedra Preta e Campo Formoso. Cada um deles abrange diversas comunidades indígenas de etnias: Macuxi, Wapichana, Patamona, Igarico, Tauripang.
No centro Wilimon, na manhã do sábado, 28, foi inaugurado e celebrada uma missa no novo malocão Kamarakko. Mesmo com uma chuva intensa e constante, num breve momento de estiagem, o bispo e toda a comunidade fizeram a procissão subindo o morro, escorregadio devido a terra molhada. Ao chegar lá, Dom Mário abençoou a água e aspergiu o novo malocão e também as maloquinhas, onde acontecia uma feira de artesanatos. O bispo tirou as sandálias, atoladas pelo barro, e presidiu a missa com os pés no chão. Durante a homilia, fez uma alusão ao texto bíblico da criação do ser humano, brincando: “Deus deve ter usado um pouco de barro aqui do Wilimon para criar Adão e Eva”.
O malocão é um espaço importante para as comunidades indígenas, lugar de reuniões, tomada de decisões, eventos, comemorações. O teto é feito de palhas de Buriti e os caibros com a madeira de várias árvores. O nome Kamarakko significa “casa de caba” (caba: marimbondo ou vespa), insetos que vivem unidos, onde se mexer com um, todos irão atacar. Trazendo esse significado, Dom Mário afirmou: “essa é a casa da união e do compromisso”.
No domingo de manhã, 29, a comunidade da Enseada recebeu, pela primeira vez, Dom Mário Antônio e celebrou a crisma de 83 jovens. “A Paz de Cristo e bom domingo”, foram as primeiras palavras pronunciadas pelo bispo à comunidade.
Os jovens crismandos estavam vestidos com uma camiseta vermelha estampada na frente com os dons do Espírito Santo e atrás com o nome da comunidade e a logo da CNBB. Dom Mário agradeceu e elogiou a homenagem inédita aos bispos do Brasil, por colocarem a logo da Conferência na camiseta. Sua homilia foi voltada para a juventude, convidando-os a serem o melhor que puderem para Deus, a comunidade e a sociedade. O bispo pediu ainda um presente para a comunidade: um padre para a Diocese de Roraima, e exortou os jovens a buscarem e assumirem a sua vocação cristã. Ao final da celebração, seu Jacir José de Souza, uma das lideranças mais importantes da região, convocou os jovens para lerem e assumirem o compromisso de “não às bebidas alcoólicas e sim à comunidade”.
A última comunidade a ser visitada foi São Mateus, onde aconteceu a inauguração da Igreja Sagrada Família, a celebração de três casamentos e 32 batizados. Após cada celebração, as comunidades ofereciam aos missionários o almoço ou jantar e, na despedida, faziam homenagens e entregavam alguns presentes, artesanatos feitos por eles.
Após esses quatro dias de visita missionária, Dom Mário Antônio afirmou que essa experiência o ajuda a se preparar melhor para o Sínodo da Amazônia, que se inicia no próximo dia 6 de outubro. “Levo no coração, dilatado de alegria, essa experiência nesses dias aqui nas comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol para o Sínodo especial para a Amazônia, onde o Papa Francisco nos convoca a fazer a experiência da escuta, da celebração, da inculturação, do estar junto com os povos indígenas, com todas as comunidades da Amazônia”, disse Dom Mário, que também pedia a todas as comunidades para acompanharem o Sínodo com a oração, amor e carinho.
Por Karina de Carvalho