de Egon Heck *
Outubro de 1988. Memorável conquista dos povos indígenas na Constituição. Pela primeira vez após a fatídica invasão primeira, os povos originários se mobilizaram para garantir seus direitos na Carta Magna. Comemoraram, porém sem ilusão. Essa seria uma das etapas na dura luta por seus direitos.
Dormiram ao acalanto da conquista, porém de olhos abertos, pois os inimigos seculares queriam ludibriá-los novamente. Cederiam no papel, mas continuariam a invasão, a violência, o saque dos recursos naturais. Ou seja, rasgariam a Constituição, na prática. E se preciso fosse, jogariam a lei no lixo ou a rasgariam em plena luz do dia, sem o menor escrúpulo ou temor. Estamos nesse momento crucial, sob o fogo cruzado dos ruralistas, mineradoras, madeireira e piratas de toda espécie.
Cínica e descaradamente, buscam suprimir os direitos indígenas e outras conquistas sociais da Constituição. O que deveria ter sido cumprido está sendo rasgado. Estamos em tempo de tentativa de retrocesso, sob o fogo cruzado, numa guerra sem tréguas.
Abril Indígena
O movimento indígena com apoio de seus aliados vem se articulando e mobilizando para esse permanente enfrentamento com as forças e interesses que tudo fazem para suprimir direitos constitucionais indígenas. De forma racista vem disseminando ódio e preconceitos. Talvez seja esse o momento mais feroz contra os povos indígenas desse último meio século.
Por outro lado, é gratificante e esperançoso ver o crescimento da consciência dos povos originários na luta por seus direitos e suas alianças com aquelas forças que buscam uma transformação social na perspectiva do Bem Viver, do reconhecimento do Estado Plurinacional e da democracia que brota das comunidades e suas múltiplas expressões de organização e poder. Quem sabe dessa forma poderemos começar a enfrentar com eficácia o mar de corrupção que envergonha e conspurca o nosso país.
Nos últimos quatro anos os povos indígenas de todo o Brasil participaram das delegações que vieram à capital federal para dizer aos parlamentares e ao governo que não permitiriam a supressão de seus direitos constitucionais.
Acampamento Terra Livre
Com muita emoção recordo a importante participação dos povos indígenas nos Fóruns Sociais Mundiais, em Porto Alegre, no início deste novo milênio. Ali foi definido que seria necessário dar passos mais efetivos no sentido de consolidar a luta pelos territórios indígenas, criando uma espécie de articulação nacional, um grito de guerra e de vida.
Foi então que, a pedido dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol, de Roraima, se passou a realizar um acampamento anual, em nível nacional, para dar visibilidade à sua luta pelo território contínuo e não a demarcação em ilhas. Conseguiram a vitória histórica da homologação desse território, em 2006. Foi então a vez de fazer pressão pela demarcação das terras dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, de maneira especial dos Kaiowá Guarani e Terena. Foi então realizado o Acampamento Terra Livre (ATL) em Campo Grande (MS) e em Altamira, em apoio aos direitos dos Povos Indígenas atingidos pela hidrelétrica de Belo Monte.
Esse é o 14º Acampamento Terra Livre acontecendo num dos momentos mais dramáticos para os povos indígenas e os movimentos sociais. De parte do movimento e organizações indígenas, a expectativa é de que se reúnam representantes de mais de cem povos indígenas de todo o país, com cerca de 1500 participantes. Menor apenas do que a Marcha e Conferência do ano 2000, quando estiveram reunidos em Coroa Vermelha, no litoral da invasão, quase 3000 indígenas de mais de duzentos povos.
“Unificar as lutas em defesa do Brasil indígenas é o objetivo maior da mobilização deste ano […]reunindo em grande assembleia lideranças dos povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil. Neste momento de ameaças e violações dos direitos constitucionais e originários dos povos indígenas e das políticas anti-indígenas do Estado brasileiro”, afirma a convocatória da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) ao acampamento.
O ATL é um importante momento de articulação entre lideranças de todo país e de incidência política do movimento indígena.
Para os povos indígenas do país, hoje é um dia de luta e mobilização pelos seus direitos em aliança com todos os que lutam para construir um Brasil justo e plural.
* Egon Heck, do Secretariado nacional do Cimi. Fotos: Laila Menezes / Cimi