A articulação da Comissão Pastoral da Terra (CPTs) da Amazônia denuncia, em nota pública, a situação dos estados da Amazônia Legal em decorrência da pandemia do novo coronavírus, especificamente em comunidades camponesas e tradicionais. O documento alerta para o iminente genocídio dessas populações e também ressalta a ação de atores como grileiros, madeireiros ilegais e garimpeiros potencializada pela ausência de fiscalização e coibição por parte do Estado.
Confira a nota na íntegra:
AMAZÔNIA DIANTE DA PANDEMIA
Assim como parte do mundo, o Brasil está entre os países atingidos pelo Coronavírus (Covid19) e os Povos da Amazônia têm vivenciado tempos difíceis, por conta da pandemia.
O cenário preocupante, devido ao avanço dos números de pessoas contaminadas e de mortes nos últimos meses, afeta também a região Amazônica. Primeiro, porque apesar de suas riquezas naturais, rios florestas e toda biodiversidade existente, a maioria dos estados que formam a Amazônia Legal não possuem infraestrutura de qualidade de atendimento de saúde pública. Tal realidade se agrava ainda mais quando se trata dos povos e comunidades camponesas e tradicionais, com ausência de um plano específico para o campo, com finalidade de prevenir e tratar os riscos e a contaminação pelo vírus.
Ainda, enquanto a população em sua maioria está voltada às notícias sobre o avanço do coronavírus, não param de ocorrer ações predatórias de madeireiros ilegais, grileiros, garimpeiros e invasores de territórios indígenas e de comunidades tradicionais, bem como em unidades de conservação. Aproveitando a suspensão de fiscalizações, a presença constante desses invasores têm deixado muitos povos preocupados, tanto no que se refere ao perigo de contaminação, como também pelo aumento dos conflitos e do desmatamento.
“Enquanto todos tentam se resguardar ficando em casa de quarentena, os madeireiros fazem a festa” disse uma agricultora do oeste do Pará que é ameaçada de morte por grupos de madeireiros. Inscrita no Programa de Proteção dos Defensores e Defensoras de Direitos humanos do Estado do Pará, a agricultora relata que vive tempos difíceis, pois “com a paralisação dos órgãos, parece que está tudo liberado para eles aproveitarem para acabar de vez com a floresta que ainda resta em nosso assentamento”, completou. Em efeito, o desmatamento já superou em 2020 o índice do ano passado, revelam dados de alertas do Inpe. Quando alguém do Ibama tentou reagir fiscalizando aldeias do Pará, foi desonerado.
Este ímpeto renovado por ocupar e apoderar-se de terras em plena epidemia de Coronavírus não está alheio à tramitação da Medida Provisória nº 910/2019, junto à Comissão Mista do Congresso Nacional, que discute a regularização fundiária.
No estado do Acre, tem aumentado consideravelmente o número de queimadas. Segundo o INPE, entre 1 de janeiro e 11 de abril de 2020, as queimadas aumentaram 125% no Estado. É visível em Rio Branco, basta sair o sol dias seguidos já se vê nuvens de fumaça pela cidade. Mais preocupante ainda é que este não é um período que comumente há queimadas, pois ainda está no período das chuvas.
Nesse contexto, os povos indígenas e comunidades tradicionais são os que mais sofrem. O contágio a povos isolados e em risco de extinção poderia ser até proposital, como alertou representante da CPT Nacional, acrescentando que indígenas Xavante, no Mato Grosso, têm sofrido mais agressões justamente pelo cenário do afastamento dos órgãos.
Em Alcântara, no Maranhão, o risco de despejo ainda é muito grande, apesar de o governo ter adiado a data, justamente por causa da pandemia. Mesmo assim, militares do Centro de Lançamento de Alcântara, em horário inadequado e colocando em risco de contágio os moradores, estiveram na comunidade de Peptal, querendo tratar de assuntos relativos a regularização das glebas de terras e casas. De acordo com as comunidades quilombolas de lá, as pessoas ainda têm muito receio de que a possibilidade de despejo volte com força. Foi no mesmo estado onde mais uma liderança indígena Guajajara teve sua vida ceifada, no dia 31 de março de 2020, e outra liderança foi baleada poucos dias depois na T.I. Arariboia. As comunidades no Maranhão continuam violentadas, pelos despejos forçados, intimidações, ameaças de morte e assassinatos por encomenda. Essa continua sendo a terrível realidade.
Em Rondônia, na madrugada do dia 18, foi assassinado o indígena Ari Uru Eu Au Au, em um território que sofre contínuas invasões. O CIMI divulgou que indígenas Karipuna foram surpreendidos ao avistar quatro invasores derrubando uma área de floresta a menos de dez quilômetros da Aldeia Panorama, onde vivem e, atualmente, estão em isolamento, buscando se proteger da pandemia do novo coronavírus. Também se comprova que muitos pecuaristas aproveitam a falta de fiscalização para desmatar os últimos remanescentes de floresta de suas propriedades, inclusive reservas a beira de igarapés, havendo muita atividade de tratores de esteira que seguem derrubando e enfileirando madeira, no Rio Preto e no Rio Machado, no limite do estado do Amazonas. Enquanto em Vilhena policiais são acusados de agir à margem de mandados judiciais, expulsando os ocupantes do Lote 35, setor 12, da Gleba Corumbiara.
Já no oeste do Pará também os indígenas da etnia Munduruku denunciam invasão de madeireiros no território Sawré My Bu, localizado no médio Tapajós, onde os madeireiros ameaçam as lideranças indígenas, a invasão do território já vem sendo uma realidade constante e diversas denúncias aos órgãos competentes já foram feitas.
No Amazonas, desmentindo a crença que o coronavírus não iria proliferar com o calor das áreas tropicais, a pandemia já desbordou as limitadas capacidades médicas da metrópoles de Manaus, que concentra a maior parte da população do estado. Porém a maior letalidade corresponde às mortes no interior do estado, por falta de recursos suficientes de atendimento, enquanto a doença se expande seguindo os principais rios: o Solimões, o Rio Negro, o Purus e o Madeira. É no Amazonas onde o coronavírus está vitimando mais indígenas no Brasil: nas aldeias Tikuna, na cidade de Manaus e em Parintins.
O estado do Amapá vai apenas atrás do Amazonas no pior índice de contaminação da Região Norte. E há notícias de que muitos sojeiros aproveitam a ausência das autoridades para invadir áreas de pequenos agricultores.
Em Roraima, o território do povo Yanomami encontra-se invadido por aproximadamente 20.000 garimpeiros, o que implica na entrada e saída de voadeiras e balsas nos rios, além de voos clandestinos, gerando uma circulação sem nenhum controle e fiscalização. No dia 09 de Abril foi letal o primeiro caso de vovid-19 diagnosticado em um Yanomami de apenas 15 anos, o que nos dá uma dimensão do risco deste vírus para aquela população, podendo ocorrer um verdadeiro genocídio por omissão do Estado. Outros quatro territórios em Roraima também estão sendo invadidos por garimpeiros
Diante dessa realidade, as CPTs da Articulação da Amazônia vem ao público denunciar o aumento do desmatamento, das queimadas e da violência nos Estados da Amazônia Brasileira, bem como, a constante presença de madeireiros, grileiros, garimpeiros e de empresas do agronegócio e de mineração, que continuam avançando nos territórios indígenas e das comunidades tradicionais. E assim, pelo contágio, colocam gravemente em risco a vida dos povos; daqueles e daquelas que já se encontram em situação de vulnerabilidade e já são ameaçados, por defender a vida e a floresta.
Repudiamos a forma como o Estado tem se omitido nos diversos casos de violência no campo nesse contexto de pandemia e conclamamos a retomada de ações de fiscalização ambiental, de segurança pública e de proteção a lideranças em situação de ameaças, tanto de medidas que sejam capazes de colaborar com a garantia do isolamento social dos povos da Amazônia contra o coronavírus, como também na garantia da integridade da vida e da dignidade da pessoa humana.
Articulação da Amazônia da CPT