Missão é abrir-se ao outro

Por Idlain Dalusma, SSST*

“Viu, aproximou-se e cuidou dele” (Lc 10,33-34). A essência da vida missionária é estar com Jesus, ou seja, deixar-se formar na sua escola para servir. De fato, os primeiros discípulos não poderiam conceber de outra maneira sua vida. Eles deixaram tudo: país, casa, pai, mãe, irmão e irmã para estar na escola de Jesus. Assim, eu, como seminarista-missionário da Sociedade dos Sacerdotes de São Tiago, estou muito feliz por compartilhar um pouco minha experiência missionária que vivi no Brasil, durante quatro anos e alguns meses.

Nasci no Haiti, uma pequena ilha na América Central, no mar do Caribe, com fronteira terrestre com a República Dominicana, no dia 7 de janeiro de 1993, numa família católica de quatro irmãos: dois homens e duas mulheres. Concluí a minha formação filosófica no Seminário Maior Nossa Senhora do Haiti (Notre Dame d’Haiti), em julho de 2015. Meses antes, fui chamado pelo Superior Geral, padre Paul Dossous, que estava reunido em Conselho regional, para me anunciar que, em razão da nossa formação diversificada e nossa missão ad extra, eu iria continuar meus estudos teológicos no Brasil.

Idlain - 3Quando cheguei ao Brasil, fui enviado ao Centro Cultural Missionário (CCM), onde vivi uma experiência missionária fantástica e frutuosa chamada “integração e inculturação”. Ali comecei a aprender a língua portuguesa, a cultura brasileira e algumas realidades inerentes e fundamentais. Nesse período, fiz um estágio em uma família brasileira e religiosa, que é a base de toda evangelização: a igreja doméstica. Como seminarista-missionário de outro país, aprendi, com essa nova experiência, o valor e a importância de ter um verdadeiro espírito de abertura, pois, integrar-se numa cultura é estar aberto à diversidade e à universalidade, dando o melhor de si mesmo e recebendo o melhor do outro. Sinto-me evangelizado pelas experiências vividas com o povo de Deus nos lugares por onde passei, seja no Centro Missionário Cultural, onde havia pessoas de nacionalidades diferentes, seja no Seminário Maior “Santíssima Trindade”, ou nas pastorais aos finais de semana.

Após o curso de português, fui designado para o Seminário “Santíssima Trindade”, da Diocese de Primavera do Leste-Paranatinga, no Centro-Oeste do país, estado de Mato Grosso, para continuar a formação teológica. Eu faço parte de um grupo de quatro irmãos seminaristas do Haiti. Temos o mesmo desejo: deixar o nosso país, as nossas referências culturais para compartilhar a maravilhosa riqueza do Evangelho de Cristo com irmãos e irmãs de outro país, de outra cultura, carisma este que faz parte da própria identidade da Sociedade. Fomos enviados dois a dois, como Jesus enviou os primeiros discípulos, e fomos bem acolhidos nos respectivos seminários, pelos bispos, reitores e irmãos seminaristas.

No princípio, não tive muita dificuldade de adaptação, porque já tinha aprendido um pouco de português no CCM. Então ia aperfeiçoando o conhecimento no dia-a-dia, nas conversas com as pessoas, embora o português usado fosse mais coloquial (informal), diferente do formal aprendido no CCM. Também aprendi a comer vários pratos diferentes: feijoada, churrasco, o famoso pequi. Dormi, pela primeira vez, numa rede, e, claro, caí algumas vezes antes de pegar o jeito certo. Uma pequena dificuldade, no início, foi o clima, porque faz muito calor em Cuiabá, conhecida como a capital mais quente do Brasil. Uma das atitudes que admirei e admiro nos brasileiros é que são acolhedores, adoram conversar e ensinar, especialmente a língua e a cultura brasileira, que, dependendo das regiões, são bem diversificadas.

Assim, fui me inserindo aos poucos na realidade local, participando de encontros de formação e tantas outras conversas informais que me ajudaram bastante a ter os “pés no chão” e saber em que solo estava pisando.

Idalin - 2Todos os anos, durante as férias, a Sociedade da qual faço parte organiza sessões temáticas para os seminaristas. É um tempo de muito aprendizado, de estreitar os laços fraternos e missionários; também é um tempo de nos deixar preparar e formar pelos nossos formadores, a fim de responder ao chamado do Senhor, encarnando o carisma do nosso Instituto missionário, que é a missão ad extra, ad vitam, ad gentes e cum Ecclesia, mas também, acima de tudo, tomar consciência do tesouro que carregamos, em vasos frágeis, que são a fé, a esperança e o amor.

Eis-me aqui, com quase cinco anos de experiência missionária no Brasil. Posso testemunhar e confessar que as experiências vividas me ajudam a mergulhar melhor no estilo de Igreja que o Papa Francisco vem exortando, que é uma Igreja em saída, misericordiosa, acolhedora, samaritana e, sobretudo, missionária. Também, o tema da Campanha da Fraternidade deste ano tem me ajudado a refletir sobre a essência de ser missionário e a necessidade de concretizar o propósito do Evangelho.

Depois de completar os quatro anos de teologia, na Faculdade Católica de Mato Grosso, de apresentar e defender a minha síntese teológica sobre a santidade, fui enviado a uma paróquia para fazer meu estágio pastoral-canônico. E digo: “Eis-me aqui”. Este tempo é, para mim, um tempo frutuoso e produtivo, que me permite estabelecer laços de amizades com as pessoas, encarnar o Evangelho de Cristo, vivendo a pastoral da proximidade.

A missão vivida aqui, no Brasil, é de muito aprendizado, já que a realidade brasileira em si exige bastante tempo para ser bem entendida. Minha primeira experiência missionária valeu a pena ser vivida. Aprendi com os brasileiros que, para viver feliz, a pessoa não necessariamente deve estar na sua cultura, como diz o Papa Francisco: “Onde há um religioso ou um missionário há alegria”. Assim, digo como seminarista-missionário: “Adaptar, inculturar é uma atitude essencial, porque é um exercício constante e perpétuo, é aprender a descobrir a si mesmo, é também explorar as capacidades físicas, intelectuais e culturais do outro”. Adaptar-se não é um modo de viver ou de ser apenas dos estrangeiros, mas é um processo de inteligência. Adaptar-se não é uma coisa fácil. Eu, pessoalmente, me dediquei muito para minha inculturação e adaptação no estilo da vida brasileira, pois o Brasil tem uma diversidade cultural muito grande e fantástica, com suas particularidades como por exemplo: os pratos típicos, os sotaques, o clima, etc.

Idalin - 1Por isso, meu conselho é que não tenhamos medo e resistência de celebrar as diferenças culturais, os encontros, pois, a diferença não quer dizer oposição ou negação da cultura do outro. Viver como missionário é ousar ir ao encontro das pessoas que Deus coloca no nosso caminho missionário, para trocar experiência, conversar, dar, aprender, e, sobretudo, para amar.

Confesso que me apaixonei por este país e pelas pessoas maravilhosas que, aqui, conheci e com quem convivo. Eu me sinto em casa. Fico muito feliz e enriquecido com essa experiência. Aprendi o jeito diferente de ser Igreja no meio do povo brasileiro. Aprendi a relativizar o meu conceito de valores que eu achava absoluto e entendi o que é ser verdadeiramente missionário e viver a vocação missionária com amor e autenticidade, na pura simplicidade junto ao povo, pois a missão é abrir-se ao outro, ao diferente, é carregar sobre si a dor, as dúvidas e as esperanças do outro e caminhar juntos rumo à santidade.

Acredito firmemente que a experiência missionária que estou vivendo servirá de base fundamental para o resto de minha vida missionária na Igreja. O missionário autêntico aceita ser continuamente evangelizado, por uma atitude real de escuta, humildade e esforço para se adaptar às pessoas e dificuldades. Devo dizer que as dificuldades encontradas no processo de adaptação me tornaram mais humano e aberto à universalidade da missão.

Aproveito para externar gratidão a Deus por esta experiência que vivo no Brasil, pelas famílias e amigos encontrados. Uma imensa gratidão também à Sociedade dos Sacerdotes de São Tiago, na qual sou seminarista e membro temporário, por me proporcionar essa tão frutuosa experiência missionária. Tenho certeza que toda a experiência autêntica de verdade e de beleza procura, por si mesma, a sua expansão. Sendo assim, termino dizendo: é fácil ser feliz.

* Seminarista missionário 

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