Em passagem por Roma, onde encontraria o Papa se não estivesse internado se recuperando de cirurgia, o brasileiro da etnia Mayuruna, Marcos Paulo Gonçalves Fortz, denuncia a violação dos direitos do seu povo tanto em relação à liberdade religiosa como à violência contra o Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do país: “ninguém constrói maloca sozinho, tem que se juntar. Assim é a vida cristã: unir, respeitar e amar o nosso próximo e a natureza”.
Marcos Paulo Gonçalves Fortz, da etnia Mayuruna, mora na Terra indígena do Vale do Javari que fica no município de Atalaia do Norte, oeste do estado do Amazonas. A região é povoada por outras etnias, que praticamente não falam o português, inclusive com a maior concentração de comunidades consideradas isoladas já que não têm contato com a sociedade. Em passagem por Roma nesta quarta-feira (14), dia em que encontraria o Papa Francisco por ocasião da Audiência Geral mas anulada pela recuperação do Pontífice de uma cirurgia, o porta-voz dos Mayuruna denuncia a violação dos direitos do seu povo, por exemplo, através da pesca ilegal.
Marcos explica que a região conta com mais de 500 lagos que são utilizados para fins de sobrevivência, mas explorados por criminosos naquela área de fronteira entre o Brasil e o Peru onde, nos últimos anos, os conflitos aumentaram conforme avançaram o tráfico de drogas, a ação de garimpeiros, a caça e a própria pesca ilegal. O Vale do Javari é a segunda maior terra indígena do país, descrito por Marcos como desprotegido pela ausência do Estado, foi o mesmo que presenciou o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips em junho de 2022.
“Nossos ancestrais já falavam que tem que cuidar da natureza, mas a gente precisa de apoio e também de apoio não-indígena, porque a união é o mais importante. O pensamento dos nossos tataravôs é unir os indígenas com aqueles que querem preservar a natureza. E não somente nos nossos territórios, mas entre todos os seres humanos. Então, a preocupação com o meio ambiente vem desde já muitos anos. Só que as autoridades não entenderam que o que é mais importante é a floresta. Não só para nós, povo indígena, mas em geral: é onde surge o ar, a espiritualidade, … Inclusive pessoas foram lá ver pessoalmente que o Vale do Javari é o mais importante do mundo inteiro, não só para nós; serve para todos nós: não-indígena e indígena.”
A emergência chamada Amazônia
Uma das pessoas que chegou até Marcos foi o italiano Raffaele Luise, decano dos vaticanistas da RAI desde 1987, por intermediação do Cimi, o Conselho Indigenista Missionário, organismo vinculado à CNBB que atua em defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil. O encontro dos dois foi parar no livro – em italiano – “Amazônia – viagem ao tempo do fim” que ganhou prefácio do Papa Francisco e conta sobre a emergência da região amazônica vivida em primeira pessoa durante dois meses em 2021: foram 35 mil quilômetros de percurso feito pelo jornalista num contexto de vasta devastação, ataques implacáveis à floresta, violência contra os nativos e o cancelamento de suas raízes ancestrais. Essa realidade seria apresentada por Marcos e Raffaele ao Papa Francisco, conta o brasileiro:
“É muito importante também para nós. Como eu sou pastor, é importante também se unir com o Papa. Essa união é muito importante para nós. Nós não temos preconceito com a religião que entenda os povos indígenas e a sua forma: o importante é não perder o nosso costume, a nossa língua, a nossa pintura, o nosso colar. Isso que é importante, é o que o princípio bíblico fala. Então a gente entende que o Papa também tem uma preocupação por nós.”
“Eu, como evangélico, não posso impor. Cada um segue a sua fé, por exemplo, o padre, o pajé, o curandeiro. Então não precisa impor. O princípio bíblico fala que é importante respeitar os dois trabalhos. Essa é a união. Porque tudo que Deus criou a gente cuida e preserva. Isso a gente está discutindo com vários pastores, que não pode mais ter essa proibição da própria cultura, da roupa, por exemplo. A gente anda com a nossa forma. Nós somente queremos adorar a Deus na nossa forma, cultura e pintura, na forma que a gente vive a espiritualidade na floresta.”
A vida cristã a partir da comunidade Mayuruna
Marcos, ao falar da programação no norte da Itália pelos próximos dias, conta que irá mostrar a cultura da sua etnia, através de canções tradicionais, por exemplo, demonstrando a importância da preservação do território indígena e também da liberdade religiosa:
“A canção que cantei diz que Deus criou todas as coisas, todos nós, o céu e a terra, o rio, o lago que nos alimenta, a natureza. Então os homens não podem destruir a natureza, não. Tem que saber usar e preservar; e também os evangélicos têm que respeitar a nossa cultura e entender e não proibir. Que todo mundo seja unido, como falaram os nossos pais.”
“Ninguém constrói maloca sozinho, tem que se juntar. Assim é a vida cristã: unir, respeitar um ao outro e amar o nosso próximo; e não impor. Impor é triste: se eu vestir um paletó eu não vou me sentir bem, mas usando o meu colar eu sou muito forte, sendo Igreja evangélica ou não.”
Fonte: Vatican News