O arcebispo brasileiro que esteve por quase 20 anos em Pemba, em Moçambique, primeiro como missionário e depois como bispo, está de volta ao Brasil desde 2021. O coração, porém, ainda bate pela África, “com quem temos uma dívida impagável”. A Igreja no Brasil tem ajudado recebendo seminaristas africanos. Uma preocupação em nível internacional que foi despertada “quando o Papa começou a falar da guerra de Cabo Delgado e as ajudas cresceram”, afirma dom Luiz Fernando Lisboa ao Vatican News.
A missão continua a mesma, “mas a mudança de continente diz muito”, afirma dom Luiz Fernando Lisboa em entrevista a Silvonei José durante os trabalhos da edição de número 60 da Assembleia Geral da CNBB – a segunda presencial após a pandemia – que termina na sexta-feira, 28 de abril, em Aparecida/SP. O arcebispo brasileiro está a frente da diocese de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, desde fevereiro de 2021, numa “Igreja bem estabilizada a partir das comunidades eclesiais de base e dos círculos bíblicos”. Anteriormente, porém, ele esteve por quase 20 anos, como missionário e depois como bispo, em Pemba, capital da província de Cabo Delgado, em Moçambique, uma “cidade culturalmente muito bonita e com uma Igreja viva e jovem, mas num ambiente de muito sofrimento”, contou dom Luiz, já que vive uma onda de violência e ataques a cristãos com a insurgência islâmica que começou em 2017:
“Não só por causa da pobreza em si – Moçambique é um dos 10 países mais pobres do mundo, e eu estava na região mais pobre que é a região norte -, mas estamos também enfrentando uma guerra terrorista por causa de recursos naturais e uma guerra que já fez mais de 6 mil mortos e 1 milhão de deslocados. Então era um trabalho muito diferente da Igreja. Para ter uma ideia, nós tínhamos lá na Caritas, antes da guerra, 5 pessoas e nós passamos para 80 pessoas, tamanho a quantidade de trabalho e de recursos com que nós tivemos que lidar para atender as pessoas da guerra.”
O apelo de dom Luiz: não esquecer as guerras da África
O arcebispo brasileiro de coração africano foi quem denunciou ao mundo os ataques sofridos em Cabo Delgado, que continuam atualmente no norte de Moçambique e por toda África, alertou dom Luiz:
“As pessoas continuam ainda vivendo debaixo de lonas, nos quintais, vivendo de favor. As ajudas internacionais que no início, depois que o Papa entrou, digamos assim, na guerra, começou a falar da guerra de Cabo Delgado, as ajudas cresceram. Mas depois que começou a guerra entre Ucrânia e Rússia as atenções se voltaram para lá e agora há uma escassez de recursos, inclusive na Igreja, porque os recursos diminuíram muito. O apelo que eu faço é que nós não esqueçamos as guerras da África que são cerca de 30: das 50 guerras atuais no mundo cerca de 30 são na África, e a guerra de Cabo Delgado é uma daquelas muito triste que tem provocado essa saída, esse êxodo das pessoas das suas aldeias, dos seus distritos, das suas cidades e em busca de salvar a própria pele.”
A sede da população de Cabo Delgado, comentou o arcebispo, além daquela por dignidade mesmo vivendo com tão pouco, é por Deus. A Igreja, assim, se tornou cada vez mais presente no país, sendo inclusive “uma voz forte para denunciar a guerra, porque no início os dirigentes queriam escondê-la”. Com essa atuação, também veio a perseguição:
“Então, essa foi um pouco a preocupação do Papa Francisco ao nos transferir, preocupado também com a integridade e com a vida. Eu espero que o Papa Francisco, que a Igreja através do Dicastério para o Desenvolvimento Humano, continue se preocupando com aquela realidade e que nós também aqui, a partir do Brasil, possamos olhar para aquela realidade.”
“Nós temos uma dívida impagável com a África, e eu pretendo falar cada vez mais isso para os meus irmãos bispos daqui do Brasil para que a gente continue ajudando e apoiando naquilo que a gente pode a Igreja africana que é a Igreja que mais cresce neste momento. A Igreja católica cresce mais na África neste momento e precisa do nosso apoio e da nossa ajuda.”
Do Brasil, a ajuda na formação da Igreja africana
O arcebispo conta, enfim, que está feliz no Brasil, mas sente saudade da África “quase todos os dias”, tanto que fala sempre com missionários de lá. Mesmo assim, dom Luiz é persistente com a missão que leva no coração de continuar ajudando a Igreja africana:
“Eu pedi ao dom Walmor que recebesse em Belo Horizonte dois seminaristas estão ali estudando. E agora estou tentando trazer outros, tanto para a minha diocese para que eu possa colher tanto para uma outra diocese mineira que também já se propôs a receber. É uma forma de nós ajudarmos a Igreja africana, ajudando na formação dos seus membros. A experiência que eles têm aqui, a vivência da nossa Igreja no Brasil, os ajuda depois a serem pessoas também ativas e a proporem a não continuar em uma pastoral de conservação, mas procurar envolver mais as pessoas, envolver as comunidades faz uma boa diferença.”
Fonte: Vatican News